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Água, eternamente contemporânea

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É unânime afirmar que água é elemento essencial à vida e imprescindível ao sustento da humanidade, embora sua importância não seja mais relevante hoje do que foi no passado e vice-versa. É óbvio, diante da lógica histórica, que algumas sociedades necessitaram mais do que outras, já que a água esteve sempre presente, fosse consumida pelas populações e/ou aproveitada na produção agrícola, pecuária, industrial, dentre outras aplicações.

No entanto, é possível ranquear quais os prejuízos causados pela falta de água em algumas partes do mundo? Ou assumindo uma postura mais pessimista, quais as consequências frente à uma hipotética indisponibilidade em grande parte do nosso planeta?

O trecho retirado da obra “Apologia da História” (Editora Zahar, Rio de Janeiro, 1997, p. 52) enquadra com razoável coerência à resolução dos supramencionados questionamentos: “…A História é a ciência do passado”. Contudo, o mesmo autor, Marc Bloch, contrapõe a afirmação pretérita: “É [no meu modo de ver a História] falar errado”. Nota-se, portanto, que a História não está reduzida ao estudo do passado, ou melhor, nunca esteve, pois o historiador trata de maneira contemporânea o objeto que estuda, sua observação foca no presente e nega qualquer tipo de anacronismo ou erro na análise espaço-temporal.

Retomando o conteúdo original, a água é elemento contemporâneo e sua função, representação e simbologia são contemporâneas em diferentes abordagens do espaço e do tempo, embora algumas sociedades já tenham ansiado e ainda anseiem mais por este recurso em relação às outras.

Segundo o historiador medievalista Jacques Le Goff, a economia do Ocidente Medieval tinha como função a subsistência dos homens (A civilização do Ocidente Medieval. Lisboa: Estampa, 1995, p. 271), ou seja, o sustento era retirado de uma atividade essencialmente agrária, na qual a terra fornecia os produtos e os mantimentos, necessários à sobrevivência da população que ali habitava. Além disso, ainda na passagem do século XI ao XII, predominava no Ocidente europeu uma significativa evolução demográfica, onde os meios de produção e o atendimento à alimentação, habitação e vestuário tornavam-se cada vez mais complexos. O consumo de gêneros primários aumentava pelo maior número de consumidores e o rendimento tinha de acompanhá-lo, de maneira a minimizar eventuais prejuízos à população.

É lógico que uma das soluções para esse excesso populacional foi a extensão dos cultivos, porque quanto maior fosse a área de produção (expressa em hectares), maior seria a safra que abasteceria a unidade feudal. No entanto, o que parecia simples e fácil na teoria, não replicava na prática cotidiana, já que a boa produtividade não se reduzia somente ao aparato técnico, mas correlacionava-se com as condições geográficas, o solo, clima, etc. Dentre todos os pré-requisitos, a água era o fator mais importante para uma produção eficiente, e diante da escassez dela, o sustento proporcionado pelo cultivo era insuficiente ao povo que a partir dele sobrevivia.

Le Goff ainda arrematava: “O mais terrível, talvez, neste reinado da fome é que ele é, a um tempo, arbitrário e inelutável. Arbitrário, porque está ligado aos caprichos da natureza. A causa imediata da fome é a má colheita, isto é, a irregularidade da ordem natural: as secas (…)”.

Ainda explorando a análise do referido historiador sobre os quadros de fome no Ocidente Medieval, é flagrante observar como ele esquematiza, desde a origem até a conclusão, o ciclo de insuficiência produtiva causada pela falta de água, ao expressar: “De fato, cria-se um ciclo infernal em todas as más situações. À partida, (…) há uma anomalia climatológica que tem, como consequência, uma má colheita. O encarecimento dos gêneros daí resultantes faz aumentar a indigência dos pobres. O consumo de alimentos de má qualidade (…) acarreta doenças (…) ou um estado de subalimentação que é propício às doenças que minam e tantas vezes matam. O ciclo completa-se deste modo: intempérie, escassez, alta de preços, epidemia ou (…) como se dizia na época, mortalidade (…).”

Observando os eventos do período medieval, é fácil reparar que o alto grau de importância da água naquelas unidades de produção agrícola de séculos atrás ainda se presencia na atualidade. Ganha credibilidade, portanto, a definição de que a História é uma ciência que estuda o presente, ou melhor o contemporâneo.

Vislumbrando o futuro, o crescimento demográfico e de renda notadamente concentrados na Ásia e África determinarão consumo crescente de proteína animal, cuja cadeia produtiva é dependente dos insumos da agricultura, atividade que demanda 70% da água tratada no Brasil. Vale lembrar que o mais recente relatório Agricultural Outlook da OCDE/FAO projeta até 2022, consumo adicional de 15 milhões de toneladas de carne bovina, 13 milhões de toneladas de carne suína e mais 19 milhões de toneladas das carnes de aves. De acordo com Deutsch et all (1010), cada quilo de carne bovina, suína e de aves produzido consome respectivamente acima de 15 mil, quase 6 mil e mais de 4 mil litros de água. O mesmo raciocínio aritmético determina em quase 5 mil litros a demanda por água na produção de 1 quilo de ovos, quase 1 mil litros no caso do leite, 2,3 mil litros para cada quilo de soja e 1,8 mil litros por quilo de milho produzido.

 É indiscutível que as condições climáticas influenciam sobremaneira a disponibilidade da água, mas o flagrante mau uso e desperdício, resultante da percepção humana de recurso inesgotável em quantidade e qualidade, contribuem paulatinamente na amplitude da sua escassez. Segundo o Ministério da Cidades, em 2011, a perda média nacional alcançou 40%, enquanto no ano passado, perdeu-se mais de 30% de toda a água produzida entre a estação de tratamento e a residência dos moradores na cidade de São Paulo. A marca alcançou aproximadamente 950 bilhões de litros, ou volume quase equivalente à plena capacidade do Sistema Cantareira, que mesmo diante da hipotética normalidade pluviométrica, levará ao menos dois anos para recuperar sua vazão.

O professor Ivanildo Hespanhol, especialista em Engenharia Hidráulica e Ambiental da Poli/USP, alerta que a solução simplista das autoridades, tem privilegiado a construção de mais adutoras que buscam água de bacias e rios mais distantes, também afligidos por estresse hídrico, mimetizando a prática romana de 2 mil anos atrás, de construir aquedutos para abastecimento urbano.

Evidentemente é mandatório e urgente mudar o paradigma da gestão da água, promovendo reuso e aproveitamento das fontes pluviais coletadas das chuvas, além da gestão racional da demanda para conservação dessa eterna protagonista do passado, presente e futuro da humanidade.

Para ler a matéria na íntegra, clique na imagem abaixo

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Por Ariovaldo Zani, médico veterinário, professor do MBA/PECEGE/ESALQ/USP -arizanni@uol.com.br e Gabriel Zani, FFLCH/USP – gabriel.zani@usp.br

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