Os desequilíbrios resultantes da onda de expansão dos gastos públicos continuam retroalimentando a espiral inflacionária e minando cada vez mais a confiança dos brasileiros, desde os consumidores que gastam menos, até os empresários que cortam investimentos. O retardo na recondução da política econômica provocou estragos de grande monta e culminou na temida recessão técnica (retrocesso de 0,7% no primeiro trimestre seguido de mais outro de 1,9% no segundo trimestre), sendo que o PIB acumulado de janeiro a junho já retrocedeu 2,1% frente ao mesmo semestre do ano passado, conforme IBGE.
Felizmente, em sentido contrário, a atividade pecuária (carnes, ovos e leite) continua resistindo à crise, uma vez que até maio já expandiu 0,41%, apesar do retrocesso de 0,48% da agricultura, conforme relatório PIB-Agro Brasil, elaborado pelo Centro de Estudos Avançados em Economia Aplicada/CEPEA/ESALQ/USP, com o apoio da Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil/CNA.
Extrapolando essa atividade em nível global, a FAO (Biannual Report on Global Food Markets/ Food Outlook 2015), estima que a produção mundial de carnes, nesse ano corrente, poderá adicionar mais 1,3%, algo em torno de 4 milhões de toneladas, e atingir o patamar de aproximadamente 319 milhões toneladas, notadamente pela evolução depositada na China, União Europeia, Estados Unidos e Brasil.
Essas estimativas recaem principalmente no avanço de 1,9 p.p. na produção de carne suína, cujo montante global deve alcançar 119,4 milhões de toneladas, estimulado principalmente pelo alívio nos custos da alimentação animal. Como de costume, a Ásia continua sendo a principal região produtora (conforme a FAO, 68,9 milhões de toneladas ou 60% da produção global), sustentada pela robusta demanda dos seus consumidores e principalmente motivada pelas políticas públicas voltadas ao desenvolvimento da suinocultura na China, a qual isoladamente deve contabilizar 57,8 milhões de toneladas ainda neste ano corrente. No mesmo ritmo, o Vietnã, as Filipinas, e a Indonésia podem registrar taxas de crescimento da ordem de 1,2%, enquanto no Japão e na Coréia do Sul (assim como os Estados Unidos pode produzir 11 milhões de toneladas nesse ano, segundo a FAO), a atividade vai recrudescer depois dos episódios de diarreia endêmica porcina que abateram muitos leitões no ano passado. Na União Europeia, a expansão deve continuar e contabilizar quase 23 milhões de toneladas, em resposta ao rebanho de reprodutoras que registrou aumento depois de tantos anos minguados. No caso da Rússia (aproximadamente 3,2 milhões toneladas no ano corrente, FAO), as políticas públicas de estímulo contribuíram para dobrar a produção na última década, tendência que deve ser acentuada nesse ano, por causa do embargo às importações provenientes de fornecedores tradicionais, como o Canadá e a União Europeia.
É previsto também que durante 2015 o comércio internacional de carne suína recupere-se em certa dose, por conta do avanço de 1,6%, principalmente quando comparado aos retrocessos apurados em 2014 e 2013. As transações entre os diferentes países, poderão redundar apenas 100 mil toneladas adicionais (totalizando 7,1 milhões), o que acentua a frustração dos principais exportadores (Estados Unidos, União Europeia, Canadá, China e Brasil respondem por 90% da oferta global), já prejudicados pela pressão nos preços causada pela sobre oferta e embargo comercial russo que afetou sobremaneira os embarques da União Europeia.
Já em relação à produção das carnes de aves, a estimativa de 111,8 milhões de toneladas é resultado do moderado avanço de 1,4%, apesar do alívio no preço dos principais insumos da alimentação animal, milho e farelo de soja. Esse ritmo apurado é bem mais lento quando comparado ao avanço médio de 3%, ano a ano, durante a última década, e comprometido por diversos fatores, dentre eles, a estagnação da produção chinesa, por causa da desaceleração econômica naquele país e a diminuição do consumo pelos seus consumidores preocupados com a influenza aviária. As transações globais dessa proteína animal, por sua vez, devem desacelerar, alcançar 31,2 milhões de toneladas e avançar apenas 1,7% em 2015, quando comparado ao crescimento de 3,1% do ano passado. Responsável por mais de 40% desse comércio e ranqueada como produto mais negociado, as carnes de aves podem movimentar 13,1 milhões de toneladas, um avanço da ordem de 2,6%. Esse viés mais moderado, cuja tendência vem desde 2012, é reflexo da produção aumentada nos países importadores e menos dependentes do suprimento externo.
Enquanto isso, os embarques de carne de frango do Brasil têm sido impulsionados pelos embargos dos tradicionais clientes dos Estados Unidos, onde vinte e um estados sofrem com a influenza aviária que já abateu mais de 48 milhões de aves, e pela abertura de novas oportunidades e ampliação no comércio com a Rússia, Arábia Saudita, Emirados Árabes, União Europeia, China, África do Sul, Coréia do Sul, Egito, México, etc. Ou seja, até julho, as exportações brasileiras de frango in natura, cortes e derivados avançaram 4,5%, já alcançaram quase 2,5 milhões de toneladas e a receita em Reais somou R$ 12,7 bilhões (crescimento de 22,1%) enquanto em dólares retrocedeu 8% e contabilizou U$ 4,2 bilhões.
Exercitando a futurologia, a Organização para o Desenvolvimento e Cooperação Econômica/ODCE/FAO, através do mais recente relatório “Agricultural Outlook”, estima que em 2023 a produção de carne suína será encabeçada pela China com 60,9 milhões de toneladas, seguida da União Europeia com 23,3 milhões de toneladas, Estados Unidos totalizando 11,5 milhões de toneladas e em seguida, o Brasil com 4,1 milhões de toneladas, enquanto a de aves seguirá ranking puxado pelos Estados Unidos com 24,5 milhões de toneladas, depois a China com 22,4 milhões de toneladas, Brasil totalizando 15,4 milhões de toneladas e então, a União Europeia com 13,9 milhões de toneladas.
Complementando, há alguns anos o Serviço de Observação Estratégica Europeia profetizou que a perda de competitividade dos principais atores globais permitiria ao Brasil mais que dobrar as exportações de carne suína, por conta dos potenciais mercados ainda não explorados, e que nosso país seria o único onde a produção de carne de frango aumentaria mais rápido do que o consumo.
Uma das traduções do milenar ideograma chinês que representa a CRISE, mescla dois caracteres, o RISCO, representa perigo ou caos e a OPORTUNIDADE, significa momento propício ou transformação. A controversa afirmação, seja mito, erro de tradução ou mesmo estratagema para venda de livro de autoajuda não importa.
Evidente é que as cadeias produtivas brasileiras de aves e suínos se anteciparam à crise, previram os riscos, e agora desfrutam das oportunidades.