Em maio passado nossa coluna intitulada “Água, eternamente contemporânea!” convidava o leitor refletir acerca dos prejuízos causados pela falta de água, ou assumindo uma postura mais pessimista, quais as consequências frente à uma hipotética indisponibilidade em grande parte de um mundo cada vez mais globalizado e povoado.
Resolvemos retomar o tema porque, desde então, a incidência de chuvas na região Sudeste, a mais habitada do país, não foi suficiente sequer para estancar a sangria dos reservatórios.
Para se ter uma ideia, em meados de setembro o Sistema Cantareira, que abastece nove milhões de pessoas na capital paulista e no interior do estado, operava com menos de 9% de sua capacidade, retomando então o nível de maio, mesmo após retirada do volume morto. O nível do Rio Paraíba do Sul que serve outros 15 milhões de habitantes de São Paulo e do Rio de Janeiro, tinha pouco mais de 4,5 metros, considerado o menor da história, desde que passou a ser monitorado em 1922. Por sua vez, a represa de Paraibuna, a maior da bacia, tinha armazenado apenas 10% do seu volume.
Levando em conta que a irregularidade pluviométrica tem ocorrido mais frequentemente, aqui e acolá, e que a água é insumo utilizado em praticamente toda atividade produtiva agrícola, industrial e indispensável ao abastecimento humano e dessedação animal, nos leva a inferir que a sustentabilidade do planeta depende da gestão dos ativos hídricos e da reorganização do modus operandi tradicional.
Marion King Hubbert, criador da Teoria intitulada “Peak of Oil Production”, demonstrou em sua apresentação ao Instituto Americano do Petróleo em 1956, que a capacidade das reservas petrolíferas envolvidas na atividade produtiva nos Estados Unidos atingiria seu ápice entre 1965 e 1970. Depois deste pico, a produção cairia rapidamente, podendo criar um grande desequilíbrio entre a demanda e a oferta, o que provocaria um grande aumento do preço dos combustíveis fósseis. Caminhando na cronologia, percebia-se que a produção atingiria seu nível terminal em 2050 e a extração petrolífera então seria encerrada.
Apesar da previsão apocalíptica, não deixa de ser importante supor, que à medida que o processo de exploração do petróleo torna-se mais complexo e caro, e extração decai progressivamente até alcançar a hipotética inviabilidade, ou seja, o recurso torna-se mais raro e encarece, imprime maior racionalidade no consumo, e em tese, sua exaustão é postergada. Será?
Ora, porque trazer a temática do petróleo para um artigo que tem como problema central a água? Há elementos ou linhas de raciocínio na teoria de Hubbert que podem ser aplicadas ao estudo da água?
Obviamente, não é possível conhecer e usar – em sua totalidade – o aparato metodológico da teoria anterior para esta análise, embora, algumas semelhanças existam e, por causa delas, hipoteticamente ainda seja possível transferir as observações de Hubbert para o problema proposto.
Buscando as semelhanças entre a água e o petróleo, nota-se uma característica de elevada importância, ou seja, os dois elementos naturais são finitos. Isso quer dizer que, após um considerável processo de consumo, estes recursos atingirão a sua fase terminal, trazendo à tona uma série de graves consequências à humanidade.
No final do século 20, documentos internacionais como o da Conferência Internacional sobre Água e Desenvolvimento Sustentável, já atestavam a inacessibilidade à água potável de um quarto da população mundial. Países como a Argélia, Burundi, Cabo Verde, Kuwait, Barbados, entre outros, sofriam e ainda sofrem com a escassez hídrica. Com base em levantamentos feitos por algumas agências ambientais, já há a previsão de que países como a China, Índia e Estados Unidos também sejam atingidos pela baixa disponibilidade de água.
De acordo com Paul Remy, pesquisador e autor do estudo Análisis económico de la contaminación de aguas en América Latina: el caso de Peru (1995), os problemas enfrentados pelos países desenvolvidos e os emergentes são comuns. Todavia, as condições dos dois grupos de países não se assemelham. Segundo as palavras do autor, os países em desenvolvimento, geralmente, contam com instituições débeis e limitações econômicas que não garantem o sucesso dos projetos, entre eles, a de uma eficiente gestão hídrica.
Já Ismail Serageldin, professor e autor do livro Toward sustainable management of water resources (1995), aponta como falhas na gestão de recursos hídricos, a pouca interação entre diversos setores da sociedade e instituições especializadas, não havendo uma ação conjunta que favoreça a qualidade de vida da população que ali vive. Além disso, outro ponto que ele destaca é a atitude de muitos países em não reconhecer a água como um bem econômico, resultando em elevados níveis de desperdício e prejuízo às classes sociais menos favorecidas.
Saindo da análise mundial e adentrando ao caso brasileiro, foi no início dos anos 70 que, com o aumento significativo da produção industrial e agrícola unido ao crescimento populacional dos centros urbanos, surgiu a necessidade de se criar um sistema de gerenciamento que providenciasse uma distribuição completa dos recursos hídricos.
Entretanto, ao observar o estado atual da gestão hídrica, de modo algum podemos nomeá-la eficiente e efetiva. Ao contrário, o que se presencia é um sistema em processo de desenvolvimento e consolidação, atuando ainda de maneira isolada e com pouca interação entre as esferas regional e federal.
Ademais, soma-se ao problema a falta de trabalhadores especializados para viabilizar o estabelecimento de modernos e complexos sistemas de administração hídrica.
Com isso, voltamos ao raciocínio de Hubbert em que o recurso natural tem a sua fase terminal, se utilizado e gasto de maneira desenfreada e ilógica. Observando os elementos anteriores, percebe-se o despreparo e o amadorismo dos órgãos brasileiros em tratar de maneira eficiente a gestão hídrica.
Com um prazo de esgotamento conhecido ou não, o que deve ser frisado é que sendo recurso finito, especulativamente, a água pode um dia restringir-se à uma pequena parcela da população mundial.
O relatório Better Growth, Better Climate (2014), elaborado pela Comissão Global sobre Economia e Clima, aponta que a sustentabilidade ambiental vai depender da eficiência no uso dos recursos, dos investimentos em infraestrutura e da inovação, e que nos próximos quinze anos, mais de um bilhão de pessoas migrarão para as áreas urbanizadas e demandarão mais recursos, como água e petróleo, dentre outros.
É mais um alerta para que a sociedade, o setor privado e as autoridades públicas tomem decisões mais acertadas para alcançar o desenvolvimento econômico, e ao mesmo tempo, previnam-se das alterações climáticas e da exaustão dos recursos naturais que põem à prova o futuro da humanidade.
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Por Ariovaldo Zani e Gabriel Zani