A rigidez da legislação trabalhista, o excesso de burocracia e de obrigações e a insegurança jurídica crescente criam um ambiente antiemprego no país, segundo a entidade
A extinção do regime do sobreaviso, criado para ser aplicado aos ferroviários que tinham de ficar em casa na década de 30 à espera de serem chamados para serviços imprevistos, é uma das sugestões do documento 101 Propostas para Modernização Trabalhista, elaborado pela Confederação Nacional da Indústria (CNI). O objetivo do estudo é abrir as discussões para reduzir os altos custos do emprego formal, que a CNI vê como um dos mais graves gargalos ao aumento da competitividade das empresas brasileiras.
O documento lista 101 “irracionalidades” da legislação trabalhista, aponta as consequências de cada uma delas, dá a solução e a forma legal para adotá-la e ainda enumera os ganhos das mudanças. Sugere, para eliminar as “irracionalidades”, 65 projetos de lei, três projetos de lei complementar, cinco projetos de emenda à Constituição (PECs), 13 atos normativos, sete revisões de súmulas do Tribunal Superior do Trabalho (TST), seis decretos, cinco portarias e duas normas de regulamentação (NR) do Ministério do Trabalho na área de saúde e segurança do trabalho.
As propostas serão lançadas no 7º Encontro Nacional da Indústria (ENAI), que será aberto amanhã, quarta-feira, 4 de dezembro, no Centro de Convenções Ulysses Guimarães, em Brasília, pela presidente Dilma Rousseff, e reunirá até quinta-feira cerca de 1.500 dirigentes empresariais para discutir o futuro da indústria. ” Às vezes, o empresariado é acusado de somente apontar os erros. Não é o caso do documento das 101 Propostas, no qual esmiúça os problemas, um a um, e as saídas, uma a uma”, explica o presidente da CNI, Robson Braga de Andrade.
Uma das soluções é a edição de projeto de lei revogando o artigo 244 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), legislação que vigora desde 1943. O artigo, inspirado por situações da década de 30, permite às “estradas de ferro” terem empregados de sobreaviso para serviços imprevistos e substituições. O ferroviário ficava em casa, sem telefone – não disponível, então – à espera de uma eventual convocação. Como compensação por ficar “preso” em casa, sem praticamente poder fazer nada à época, quando mal havia rádio, recebia a mais um terço do seu salário-hora.
Passados 69 anos, em tempos de tablets e telefones celulares com internet, a Justiça do Trabalho generalizou o instituto do sobreaviso. O simples fato do empregado poder receber uma ligação convocando para um serviço ainda condena empresas pelo não pagamento do sobreaviso. “Atualmente, com o avanço das tecnologias da informação e a facilidade de comunicação, a restrição para localização do empregado não mais se aplica. O trabalhador, hoje, pode fazer diversas atividades, tanto em casa quanto fora, enquanto aguarda a possibilidade de ser chamado a trabalhar. Assim sendo, o pagamento do sobreaviso é um anacronismo que deve ser extinto”, assinala o documento 101 Propostas para Modernização Trabalhista.
AMBIENTE ANTIEMPREGO – A CNI aponta vários fatores que, na visão da entidade, criam um ambiente anti-emprego no país: rigidez da legislação trabalhista, a burocracia e a insegurança jurídica crescentes, o excesso de obrigações acessórias no salário, a formação de passivos trabalhistas e previdenciários incalculáveis, a existência de instituições do trabalho não alinhadas ao aumento da competitividade, o elevado risco de gerar empregos.
” O Brasil precisa tornar a criação de empregos e a produção mais baratas e funcionais. Não pretendemos, jamais, piorar as condições de trabalho e achatar salários, que estimulam o consumo e os investimentos e fazem a roda da economia girar”, afirma o presidente da CNI. Segundo Andrade, “a infinidade de obrigações na área trabalhista se constitui um fardo que asfixia a competitividade das empresas brasileiras”.
O gerente-executivo de Relações do Trabalho da CNI, Emerson Casali, destaca que, com as 101 Propostas, a instituição quer aproveitar espaços de diálogo com o governo e as centrais sindicais para discutir “uma agenda positiva e ativa de medidas”. Garante que “a maioria das sugestões é bastante exequível”. Na sua opinião, o documento, que pretende ver debatido na sociedade, no governo, nos sindicatos e no Congresso Nacional, ” é provocativo, mas não visa o enfrentamento”.
Casali informa que, enquanto a produtividade das empresas brasileiras cresceu 0,9% entre 2006 e 2011, o salário médio em dólar subiu 51,5% no período, um descompasso que, na sua opinião, não pode perdurar, sob pena de reduções ainda maiores na geração de empregos formais. Lembra que, pelos dados do Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), nos 12 meses compreendidos entre novembro de 2011 e outubro último, a oferta de postos de trabalho na indústria de transformação caiu 82,5% sobre igual período anterior (novembro 2010/outubro 2011), de 212,8 mil antes para apenas 37,1 mil novas vagas, agora.
HORA MENOR – Entre as 101 “irracionalidades” da legislação trabalhista detalhadas pela CNI, o documento salienta que “o Brasil é o único país do mundo que tem uma hora de 52,5 minutos”. É que cada 52,5 minutos de trabalho entre 22h de um dia e 5h do dia seguinte é considerado como uma hora. Além disso, o TST trata qualquer prorrogação do trabalho após o período noturno legal como jornada noturna. O dispositivo, de acordo com a CNI, faz com que as empresas tenham dificuldades para adequar suas jornadas, especialmente no caso de funcionamento 24 horas. A prorrogação da hora noturna, por sua vez, aumenta o custo da hora de trabalho.
A CNI defende uma solução matemática simples para solucionar a questão. Uma hora noturna trabalhada passaria a ter efetivamente 60 minutos e sobre ela incidiria um adicional de 37,14%, aplicável sobre a jornada entre 22h e 6h do dia seguinte, o que configuraria, assim, uma jornada de oito horas. A mudança, que pode ser feita por projeto de lei ou revisão da Súmula 60 e da OJ (Orientação Jurisprudencial) 388 do TST, resultaria na simplificação do cálculo das horas, em turnos noturnos sem perda de remuneração, no aumento de produtividade e na redução das ações trabalhistas.
NEGOCIAÇÃO ETERNIZADA – A CNI defende a negociação coletiva como o mecanismo mais rápido e adequado para que empresas e trabalhadores, por meio dos seus sindicatos, regulem diretamente as relações de trabalho conforme suas realidades e necessidades. O parágrafo 3º do artigo 614 da CLT determina o prazo máximo de dois anos para a vigência dos acordos coletivos. A Súmula 277 do TST, editada este ano, determinou, porém, que as normas coletivas passam a integrar o contrato de trabalho e só podem ser modificadas por nova negociação coletiva. Esse engessamento significa, segundo a CNI, que os acordos coletivos passam a ter vigência indefinida (ultratividade). As cláusulas, na prática, são eternizadas, pois só podem ser mudadas por nova negociação.
A ultratividade, diz a CNI, desestimula a negociação coletiva. “Gera manutenção imprevista de custos decorrentes de condições criadas por normas coletivas negociadas em contexto de prazo determinado, podendo causar grandes dificuldades, pois nem sempre existem condições econômicas para manutenção de benefícios contratados em caráter provisório”, identifica o documento 101 Propostas. A CNI sugere, por projeto de lei que altere o parágrafo 3º do artigo 614 da CLT ou por revisão da Súmula 277, o fim da ultratividade, a não inclusão das cláusulas do acordo no contrato de trabalho e a duplicação, para quatro anos, do prazo máximo de validade dos acordos coletivos.
CARTEIRA ELETRÔNICA – A 101ª sugestão do documento da CNI para modernizar a legislação trabalhista é a criação da carteira de trabalho eletrônica. Assinala a entidade que desde 2010 as informações pessoais do trabalhador são digitalizadas no INSS, mas a carteira de trabalho (CTPS) continua em meio físico, com espaços para anotações manuscritas, muitas vezes não preenchidos e que se perdem ao longo do tempo, com prejuízos ao trabalhador. O preenchimento a mão possibilita também fraudes nas informações. “O registro dos eventos relevantes na CTPS gera uma burocracia desnecessária e atrasa procedimentos”, atesta a CNI.
A entidade recomenda criar uma CTPS eletrônica acessível, com senhas de acesso diferenciadas para trabalhadores, empresas e governo. “A CTPS conteria informações de interesse do trabalhador, como os contratos de trabalho durante toda a vida funcional, os afastamentos previdenciários, os períodos de férias e dados sobre os valores pagos ou recolhidos à Previdência Social”, sugere a CNI. Para a criação da carteira de trabalho eletrônica seriam necessários, propõe a entidade, um projeto de lei e a criação de um sistema informatizado de registro.
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