O encerramento das paralisações e o retorno dos servidores públicos às atividades de rotina propiciaram relaxamento momentâneo, embora insuficiente para exorcizar os fantasmas que teimam assombrar a cadeia produtiva agropecuária, dentre eles o custo Brasil que tira o sono dos empreendedores e os pesadelos tributários que interrompem seus escassos cochilos.
Aos conhecidos gargalos que mais atormentam o setor, ou seja, a infraestrutura defasada, a rígida legislação trabalhista e a ausência de acordos comerciais bilaterais, somam-se as burocracias fiscais que sufocam as empresas sorvendo demasiadamente sua capacidade de focar na atividade produtiva.
Ninguém duvida que o modelo fiscal transformou-se em caos e essa falta de clareza legislativa retroalimenta a sensação de insegurança. O sistema vigente revela-se extemporâneo e moldado para uma economia doméstica e internacional ultrapassada, além de perverso por inibir a competitividade da indústria nacional e contribuir anualmente para a perda de estimados R$ 50 bilhões por causa dos investimentos não realizados pelas empresas no Brasil.
A unanimidade é que a carga tributária precisa ser aliviada – atualmente alcança 34% do PIB – para atrair mais investimentos necessários ao financiamento da infraestrutura e para sustentar o crescimento da economia. A simplificação, por sua vez, é outro requisito mandatório, já que as empresas sofrem com os custos inflados por numerosos recursos humanos e por causa da parafernália tecnológica necessárias ao atendimento do complexo e burocrático conjunto de procedimentos.
O Imposto sobre a Circulação de Mercadorias e Serviços/ICMS pariu a famigerada guerra fiscal que, por sua vez, gerou multiplicidade de alíquotas cobradas por todos os Estados, enquanto suas diferentes bases de cálculo culminaram em mais de 50 combinações de impostos, preenchimento de dezenas e dezenas de documentos redundantes e cumprimento das infindáveis obrigações acessórias. Por quase 25 anos a Resolução 22 define as alíquotas de 7% ou 12% tributadas nas vendas interestaduais e que dependem do Estado de origem e destino das mercadorias. Alternativamente, os Estados promovem sua política de incentivos através da concessão de benefícios fiscais com o objetivo de atrair o máximo investimento privado. O fato é que a sensação de incerteza aumenta, à medida que encorpa a tese de inconstitucionalidade, capaz de exterminar a competitividade e estabelecer a insolvência financeira, por conta da cobrança dos débitos criados. Ou seja, quaisquer créditos gerados nas transações interestaduais a partir de operações que se beneficiaram dos incentivos nos Estados de origem deveriam resultar da decisão unânime do CONFAZ.
Para piorar, a atual sistemática do ICMS acaba por incentivar a limitação da atividade produtiva porque qualquer expansão pode excluir o empreendimento do sistema simplificado ou de lucro presumido sob alíquota de 4% e catapultá-lo ao patamar de lucro real onerando o faturamento em 18%.
É flagrante observar que a multivariedade de razões justificam a nacionalização desse tributo através de uma alíquota comum que limite a autonomia dos Estados. Apesar da instigante simplicidade e indiscutível obviedade, essa desejada reforma tributária não avança e continua obstruída pela falta de consenso entre os entes federativos que não se entendem e os parlamentares que sequer buscam uma agenda mínima.
O Governo, assentado na ampla base aliada, continua refratário e vem concedendo tímidas benesses fiscais a determinados grupos industriais selecionados, ao invés de promover a racionalização transversal do sistema tributário, embora essas poucas e parciais desonerações tem sido compensadas por maior incidência de tributos sobre outras bases.
Tomemos, por exemplo, a Lei 12715/2012 que recentemente cortou encargos trabalhistas de vinte e cinco setores, além dos outros quinze que já haviam sido isentados em abril. A folha de pagamentos era onerada à medida que o produto era fabricado e agora a vinculação ao faturamento trouxe folga no caixa. Essa iniciativa “bondosa”, contudo, estava atrelada à uma compensação embutida no texto com “malícia”, porque ocultava a base de incidência da nova alíquota de compensação à retirada dos 20% sobre os salários que eram pagos ao INSS.
O setor privado emitiu o alerta que motivou o veto da chefe-maior do Executivo que definiu as alíquotas de 1% ou 2% recolhidas sobre o valor das vendas (conforme entendimento do setor privado) e não sobre a receita bruta que abrange a reversão da provisão com devedores duvidosos, ganhos financeiros, etc. (como acreditavam os formuladores da política tributária).
Já a discutível guerra dos portos que distribui créditos presumidos como incentivos fiscais será interrompida por “bondade” do Senado Federal que através da Resolução no. 13 aplicará alíquota única de 4% nas vendas interestaduais de produtos com conteúdo de industrialização menor de 60%. Apesar de entrar em vigor somente no início do próximo ano, já tem causado calafrios nos importadores porque exigirá revisão de contratos e modificações nas operações logísticas que podem minar a competitividade dos preços das mercadorias, dentre outros efeitos prejudiciais que se alastrarão pelas cadeias de industrialização que utilizam insumos importados. Esse processo de restrição às importações não parece solução inteligente e pode ser considerado “malvado” porque a infraestrutura em cacos e a extrema burocracia reinante é que se encarregam de reduzir a produtividade e aumentar o custo de se produzir localmente. Segundo o Banco Mundial, o tempo gasto com pagamento de impostos por aqui é cerca de sete vezes maior que os vizinhos da América Latina e pasmem, 14 vezes maior que nos países da Organização de Cooperação e Desenvolvimento Econômico/OCDE.
Na opinião dos especialistas, as contribuições sociais deveriam também seguir destinação específica porque já representam 23% do total da receita, enquanto há 50 anos subtraíam apenas 0,5% da arrecadação.
Desde o ano passado, o Fisco suspendeu a incidência de PIS/COFINS na aquisição de diversos insumos utilizados na alimentação de aves e suínos, inclusive das alíquotas de crédito presumido e sobre a venda do produto final. No entanto, essa desoneração incompleta deixou de fora os insumos de origem animal e mineral das rações de aves e suínos, além de não contemplar a alimentação de bovinos de corte, leite, peixes e outros animais de produção.
Como resultado, ampliou-se a confusão porque o importador do insumo ainda recolhe o tributo que não incide mais na revenda para a fábrica de rações, além de outros casos em que o fornecedor nacional recolhe o imposto na venda para o fabricante de rações que não pode mais aproveitar o crédito tributário, já que a venda do produto final está desonerada.
É flagrante observar que as soluções alternativas convergem para um sistema fiscal descomplicado e menos oneroso, baseado em imposto único e reduzido na produção/movimentação/consumo, além de outro incidente sobre a renda e mais um no comércio exterior. Admite-se também que o moderno controle da arrecadação pelo advento da nota fiscal eletrônica pode ser considerado o embrião da reforma tributária, embora a continuidade dessa gestação dependa da vigilância na destinação dos recursos e melhoria contínua na gestão do gasto público.
No último dia desse mês os anglo-saxões celebram o Halloween distribuindo doces ou travessuras, digamos “treats or tricks”!
Por aqui, parece que a bruxa anda à solta durante o ano inteiro, por causa das pitadas de bondade invariavelmente acompanhadas do saco de maldades, digamos “treats and tricks”!
Ariovaldo Zani é médico veterinário
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