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Reforma agropecuária

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O progresso apurado no mundo desenvolvido deveu-se à abolição das dificuldades que travavam a continuidade da sua evolução e às intercorrências surgidas em várias fases históricas. Os litígios agrários, por exemplo, já solucionados nos países atualmente ranqueados como desenvolvidos, constituem travas superadas, embora ainda não resolvidas no Brasil, cujo paradoxo aprofunda contradições e evidencia a leniência das nossas instituições públicas frente aos conflitos envolvendo a terra.

Esse contencioso, exposto às diferentes visões e intensidades ao longo da história, garante ao observador uma análise multidimensional do objeto de estudo, no entanto, apesar da total distinção dos discursos antagônicos, nenhum ruralista ou ativista ousaria declarar a questão agrária uma equação resolvida.

Alguns ativistas moderados atribuem a persistência do embate à modernização e competitividade da agricultura (no que tange a sua esfera social e econômica) e o esforço recente de reordenamento fundiário. Outros, mais radicais, costumam alardear que o combustível do conflito é fruto da própria modernização, conservadora e excludente, que compromete sobremaneira a reforma agrária como política pública de efetivação da acessibilidade à terra, que expulsa mão de obra do campo em direção aos centros urbanos e que causa muitos passivos ambientais.

O economista e intelectual, Celso Furtado, declarava que a concentração da propriedade da terra está profundamente conectada à formação histórica do Brasil, e tais raízes remontam à sua natureza de “colônia” e das leis coloniais que inseriram sérias deformidades na distribuição e na ação do mercado fundiário a partir da segunda metade do século 19.

Enquanto a ingerência estatal perdurou sobre a terra durante décadas, ficou flagrante observar a limitação da produção e da área plantada, o controle sobre estoques, preços e a quantidade exportada, e finalmente a exagerada e deletéria proteção do setor agrícola brasileiro.

Mais recentemente, o setor privado assumiu o protagonismo na gestão tecnológica, financeira e trabalhista do setor, cuja abertura repercutiu na multiplicação dos investimentos e promoveu fortalecimento da cadeia produtiva, com revigoramento da competitividade global e maior capacidade de negociação do empreendedor agropecuário brasileiro. Segundo o ex ministro da Agricultura e também produtor, Roberto Rodrigues, o ambiente renovado criou uma nova civilização no campo, constituída por gente que resistiu à essa verdadeira revolução na terra.

Mesmo diante da aflitiva insegurança jurídica e dos gargalos estruturais, o esforço dessa gente contribuiu com o PIB do agronegócio que avançou mais 4,5% no ano passado e superou os R$ 940 bilhões (CEPEA/ESALQ/USP), alcançou 42% (U$ 102 bilhões, SRI/MAPA) das exportações totais (U$ 242 bilhões, SECEX/MDIC) e seu próprio superávit comercial alcançou U$ 85 bilhões. Essa riqueza foi modulada pelo efeito aditivo resultante dos elos da cadeia que emprega cerca de 30 milhões de trabalhadores, cujos “insumos” (aditivos, medicamentos, fertilizantes, defensivos, combustíveis, etc.) contribuíram com R$ 112 bilhões, a “agropecuária” (milho, soja, café, cana, bois, frangos, suínos, leite, ovos etc.) com R$ 282 bilhões, a “agroindústria” (abatedouros, laticínios, açúcar, etanol, celulose, etc.) com R$ 260 bilhões e finalmente a “distribuição” que somou R$ 287 bilhões.

Embora no primeiro semestre do ano corrente, as exportações agropecuárias superaram os U$ 49 bilhões e o superávit mais de U$ 40 bilhões, a preocupante perspectiva de deterioração dos preços agrícolas internacionais, persistente nos próximos dois anos, pode comprometer sobremaneira a receita da exportação dos nossos gêneros agropecuários e aumentar o rombo das contas externas. Concomitantemente, o impulso global auferido pela crescente demanda por alimentos e biocombustíveis deve determinar oportunidades para compensação, caso seja devolvida competitividade às cadeias produtivas.

Retomando o contexto histórico, as autoridades desse emergente Brasil não podem mais ignorar o enfrentamento direto dos problemas e tampouco desviar da medíocre diplomacia comercial multilateral, dos gargalos logísticos e da burocracia regulatória, jurídica e trabalhista, pois uma verdadeira reforma agropecuária é compulsória para superação desses obstáculos.

Ariovaldo Zani, médico veterinário – arizanni@uol.com.br
Gabriel Zani, FFLCH/USP – gabriel.zani@usp.br

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