É notável e significativo que, hoje, cada Estado ou país tenha um órgão de vigilância sanitária que não só ofereça, a partir de seu trabalho, condições de bem-estar social, mas também auxilie outros setores, por exemplo, o de comércio. A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (ANVISA), criada no Brasil em 1999, incorporou estas tarefas ou metas como a sua missão e responsabilidade para o Estado brasileiro.
Com base na ferramenta histórica, se sabe que na Idade Antiga a humanidade não dispunha de técnicas, nem sequer tinha conhecimento sobre como intervir nos processos de contaminação de produtos que, consequentemente, disseminavam doenças como a cólera, a varíola, entre outras. Entretanto, isso não quer dizer que não havia preocupações com o problema sanitário. Vestígios desse período comprovam a investigação, apesar de prematura, sobre como poderiam diminuir a frequência da propagação dos distintos tipos de moléstias.
Diante de uma precária condição sanitária, somava-se a grande presença populacional que concorria ainda mais ao recrudescimento do mal-estar. Situação semelhante viveu o Brasil na passagem do século 19 ao 20. Obviamente, as condições geográficas, sociais e tecnológicas não eram as mesmas, se comparar o contexto brasileiro com o de outra região europeia. Todavia, isto não anula determinadas semelhanças, apesar de o contexto histórico também ser diferente.
Com o intenso processo de urbanização pelo qual o Estado brasileiro passou no final do século 19, a precariedade do sistema sanitário aliada ao crescimento urbano provocou o avanço do contágio de doenças pela população. A partir disso, a criação de um órgão que combatesse este mal e auxiliasse as camadas populacionais atingidas tornou-se altamente necessário.
Baseado nos estudos acerca do processo sanitário no Brasil observa-se que antes de se pensar em desenvolver a Vigilância Sanitária, já havia corpos de fiscalização – polícia sanitária – que atuavam com funções parecidas. Porém, o sistema sanitário brasileiro era ineficiente e carecia reestruturação.
É curioso que alguns governantes brasileiros acreditavam que assistidos pela nova política sanitária, alcançariam o progresso socioeconômico. Ainda em 1903, nas palavras de Rodrigues Alves: “Em documentos anteriores tenho aludido ao serviço de saneamento desta Capital e cada vez me sinto mais convencido de que aí se encontrará o elemento primordial para o ressurgimento da vida econômica do país.”
É importante salientar, contudo, que o progresso socioeconômico tem um preço. Revoltas como a da “Vacina” na gestão de Oswaldo Cruz, as críticas ao precário atendimento da saúde em ambientes mais carentes e à desigualdade de ação sanitária entre áreas urbanas e rurais constituíram obstáculos ao desenvolvimento desta atividade no Brasil. Entretanto, tanto as oposições quanto os desacordos não frearam o seu avanço e, ao contrário, trouxeram inovações e propostas de reestruturações à Vigilância Sanitária brasileira. A fundação de novos corpos de semelhantes funções, o combate às epidemias, a criação de políticas públicas que visavam o aumento da qualidade de vida da população brasileira, dentre outras, comprovam a evolução da sanidade no Brasil.
Porém, mesmo com a sua evolução, o órgão de Vigilância Sanitária contava com problemas internos. A legislação da década de 70, que configurou os fundamentos jurídicos da vigilância sanitária, ainda hoje vigente, não comportava a ideia de um organismo extenso, ou melhor, de um sistema. Com as ações mais descentralizadas e distribuídas entre a esfera estadual e federal, as capacidades e os alcances dos municípios não estavam definidos. Por isso, mesmo contando com a lei nº 6360/76 que preconizava a necessidade de uma ação articulada entre as esferas que compunham o governo, não se encontrava equilíbrio entre elas.
Com isso, a falta de organização interna e a sua gradativa defasagem fizeram com que, no final da década de 80 e no adito da década de 90, alguns pontos fossem repensados diante da necessidade de reestruturar e ampliar não só a Secretaria Nacional de Vigilância Sanitária do Ministério da Saúde (SNVS/MS), mas também o sistema de vigilância sanitária nacional. Após o processo de reelaboração da vigilância sanitária que perdurou anos no congresso, enfim, em 1999 foi criada a Agência Nacional de Vigilância Sanitária/ANVISA.
Desde então, expectativas (como a ruptura e a superação do antigo padrão de ação estatal considerado ineficiente e fraudulento) foram criadas em relação ao seu potencial e grau de ação. De acordo com o Art. 2º da Lei 9782, compreendem-se as suas funções e competências. Entre as principais, a ação normativa e fiscalizadora sobre os serviços prestados, produtos e insumos terapêuticos de interesse pela saúde, a eliminação ou minimização dos riscos sanitários envolvido na produção, circulação e consumo de certos produtos e a possibilidade de interação constante com a sociedade, em termos de promoção da saúde, da ética e dos direitos da cidadania.
Esse órgão de Vigilância Sanitária nacional ainda não está isento de mudanças ou transformações. e atualmente encontra-se em processo de reformulação e reestruturação, objetivando um maior desenvolvimento e padronização de suas atividades no Brasil.
O raciocínio aplica-se semelhantemente à Vigilância Agropecuária Internacional/VIGIAGRO, regulamentada pela Portaria SDA/MAPA 297 e instituída em 1998, em resposta à necessária rapidez nos processos de liberação de cargas de importação/exportação e adequação (todo o sistema e procedimentos operativos relacionados com a fiscalização federal agropecuária praticados no âmbito dos pontos de entrada/saída do país) às exigências decorrentes dos compromissos assumidos com a OMC e o MERCOSUL.
O Brasil, parte integrante da globalização econômica, social, política e cultural, orgulha-se por sua dinâmica cadeia produtiva agropecuária que busca incessantemente ampliação de mercados compradores e queda de barreiras tarifárias no mundo contemporâneo, caracterizado e contextualizado pelo aumento da demanda global por alimentos e incremento da renda familiar nos países emergentes. Esses agentes indutores tem estimulado cada vez mais o trânsito internacional de pessoas e cargas e naturalmente favorecido o intercâmbio de agentes infecciosos e pragas nocivas à saúde das pessoas, animais e vegetais.
Atualmente, não mais que 400 fiscais do VIGIAGRO estão distribuídos em 27 operações em aeroportos e 30 em portos (quase 7,5 mil km de costa litorânea), 26 nas fronteiras (15,7 mil km de extensão de faixa com dez países), e mais 27 em aduanas interiores, totalizando 110 unidades instaladas. Esse contingente tem inspecionado, em média, 19 milhões de passageiros e realizado 1,5 milhão de fiscalizações/ano. Aos recursos humanos escassos soma-se à subdimensionada infraestrutura, comprometida pelo constante contingenciamento orçamentário do Ministério da Agricultura, e o inflexível, compulsório e extemporâneo conjunto regulatório (legislação da Defesa Sanitária Animal e Vegetal remonta a década de 30, por exemplo).
Esse cenário requer reformulação urgente, pois a missão da Vigilância Agropecuária Internacional é impedir o ingresso de agentes etiológicos de doenças animais e pragas vegetais, mercadorias, bens e materiais de interesse agropecuário que não atendam às exigências nacionais e coloquem em risco nossa sanidade, além de zelar pela simplificação dos procedimentos envolvidos na exportação dos produtos agropecuários brasileiros e garantia de competitividade dos respectivos empreendedores.
“…Feliz aquele que permanece vigilante e conserva consigo as suas vestes, para que não ande nu e não seja vista a sua vergonha“ (Apocalipse: 16-15)
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Ariovaldo Zani, médico veterinário, professor do MBA/PECEGE/ESALQ/USP – arizanni@uol.com.br
Gabriel Zani, FFLCH/USP – gabriel.zani@usp.br