Esgotou-se o tempo para as autoridades continuarem ignorando o enfrentamento direto dos problemas do agronegócio (gargalos logísticos, burocracia regulatória, jurídica e trabalhista), e teimarem continuar focadas no medíocre modelo multilateral da diplomacia-comercial desse emergente Brasil.
É flagrante observar como nossas cadeias produtivas vem perdendo competitividade nos últimos anos, motivo pelo qual recrudesce o clamor pela sua imediata e justa devolução, face às oportunidades e impulso global da crescente demanda por alimentos e biocombustíveis, conforme a FAO e a OCDE ranquearam recentemente, atribuindo ao nosso agronegócio a responsabilidade por atender 40% do imenso consumo global em 2050.
A preocupação recai também na perspectiva de deterioração dos preços agrícolas internacionais pelos próximos dois anos, que pode consequentemente comprometer a receita da exportação e aumentar o rombo das contas externas, à despeito da exuberante performance agropecuária já ter exportado mais de U$ 49 bilhões e acumulado saldo de U$ 40 bilhões somente nos primeiros seis meses de 2014.
Os presidenciáveis em campanha devem, no mínimo, conhecer que nos últimos vinte anos, o protagonismo do setor privado na gestão tecnológica, financeira e trabalhista, e a respectiva abertura do segmento, repercutiu na multiplicação dos investimentos e promoveu fortalecimento da cadeia produtiva, revigoramento da competitividade e incrementou a capacidade de negociação do empreendedor agropecuário brasileiro.
Esse ambiente renovado criou uma nova civilização no campo, constituída por gente esforçada e competente que resistiu à ingerência estatal sobre a terra durante décadas. Essa exagerada proteção que limitava a produção e a área plantada, controlava estoques, preços e a quantidade exportada, e indubitavelmente emperrava o avanço do setor agrícola brasileiro.
Diante desses fatos não há argumentos contrários, embora alguns ativistas continuem argumentando que a persistência do embate se deve à modernização e competitividade da agricultura (no que tange a sua esfera social e econômica) e ao esforço recente de reordenamento fundiário. Os mais radicais tem alardeado, inclusive, que o combustível do conflito é fruto da própria modernização conservadora e excludente, que compromete sobremaneira a reforma agrária como política pública de efetivação da acessibilidade à terra, expulsa mão de obra do campo em direção aos centros urbanos e causa muitos passivos ambientais.
O evidente paradoxo acaba por demonstrar que não basta ter acesso a uma determinada informação, ainda que ela seja muito bem fundamentada nas mais variadas evidências empíricas. É preciso, sobretudo, haver predisposição em um determinado tipo de raciocínio para que sejam aceitos argumentos racionais e bem fundamentados.
O economista Celso Furtado registrava que a concentração da propriedade estava profundamente ligada à formação histórica do país e que tais raízes remontavam à natureza da colônia e das leis coloniais que inseriram, a partir da segunda metade do século 19, sérias deformidades na distribuição das terras e mercado fundiário. Esse contencioso ainda contemporâneo, exposto às diferentes visões e intensidades, tem garantido ao observador uma análise multidimensional do objeto de estudo.
Mesmo diante da total distinção dos discursos antagônicos que impedem a declaração da questão agrária um tema resolvido e dos persistentes gargalos estruturais e da insegurança jurídica, o PIB do agronegócio avançou mais 4,5% no ano passado, se aproximou da casa do trilhão de Reais e compôs 42% das exportações totais, enquanto seu próprio superávit alcançou U$ 85 bilhões.
Essa riqueza é resultado da competência dos elos das cadeias produtivas que empregam cerca de 30 milhões de trabalhadores, liderados por empreendedores da alimentação e saúde animal/vegetal, fertilizantes, defensivos, maquinário, milho, soja, café, cana, bois, frangos, suínos, leite, ovos, abatedouros, laticínios, açúcar, etanol, celulose, etc.
O progresso apurado no mundo desenvolvido deveu-se à abolição das dificuldades que travavam a continuidade da sua evolução e as intercorrências surgidas em várias fases históricas. Os litígios agrários, solucionados nos países desenvolvidos, ainda constituem travas não superadas no Brasil, cujo paradoxo aprofunda contradições e evidencia a leniência das nossas instituições públicas frente aos conflitos envolvendo a terra.
O desafio para superar nossos obstáculos depende de uma verdadeira reforma agropecuária e o sucesso da empreitada recai no entendimento da atividade como estratégica pelo Governo e à participação compulsória do setor privado na sua formulação e aplicação.
Os presidenciáveis tem sido pautados pelas lideranças do setor e convidados a firmar seus planos e metas voltadas ao agronegócio. Ainda contam com tempo suficiente para esclarecer e firmar suas intenções, até que no próximo sufrágio de outubro, nós eleitores registremos as nossas próprias intenções através do legítimo e democrático direito do voto.
Gabriel Zani/FFLCH/USP colaborou no artigo