Minha retrospectiva desse ano remete ao discurso proferido durante o encontro de 2016, quando correlacionei a expectativa para esse 2017 às tantas incertezas. Na época, eu registrava que “nos últimos dias” haveria tempos trabalhosos. Eu enfatizava que essa profecia bíblica, trazida ao momento contemporâneo, poderia ser constatada através da crescente xenofobia e protecionismo, do Brexit; do Trump; da globalização da desglobalização; da 4ª Revolução do Klaus Schwab; e do esquisito trava língua “CRISPR”, que significa Clustered Regularly Interspaced Short Palindromic Repeats.
Esses dilemas, morais ou não, parecem desnudar tantos riscos quanto oportunidades que nos levam a refletir: Será que o veículo sem motorista deve dar mais valor à vida do passageiro do que à de um pedestre? Devemos permitir que os drones virem os novos paparazzi? Se um exame pré-natal prever que seu filho terá um QI bem abaixo da média, valerá a pena promover uma pequena edição genética dele? Ato contínuo, será possível patentear um gene humano? Como decidiremos o que um robô poderá decidir? Proclamaremos a Declaração de Direitos dos Robôs? E quanto ao direito dos humanos se casarem com robôs?
Esses questionamentos forçarão, muito em breve, a humanidade a repensar as condutas, muito embora a ética, derivada da filosofia ou da religião, não se encaixe no mundo da tecnologia. Seria então uma “ética 2.0”?
E já que estamos falando em ética, o episódio denominado “Carne Fraca”, ocorrido em março desse ano, motivou o Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento a instituir seu programa de integridade, prevendo basicamente uma política de atuação voltada aos ambientes interno e externo, além de premiar e conferir um selo de conformidade empresarial, batizado de Agro+, aos empreendimentos do agronegócio, caso reconheça neles o esforço dedicado às boas práticas de produção e mitigação das práticas de fraude, suborno e corrupção.
Alinhado à proposição do agente público, o Sindirações sempre esteve compromissado e empreende continuamente esforços para a simplificação e desburocratização do cotidiano de seus associados. O empenho reflete-se no Código de Conduta, elaborado pela entidade há quase uma década e compartilhado com seus associados.
Esse instrumento de integridade sustenta que o relacionamento ético é imposição numa sociedade organizada, na qual se visa alcançar objetivos determinados sem perder de vista um convívio minimamente satisfatório e equilibrado. A premissa não difere no relacionamento entre os empreendedores, pois em vista de parâmetros éticos comuns a todos que integram o setor produtivo, facilita a consecução do objetivo pretendido e assegura o acesso às mais precisas informações e inovações em respeito aos produtos, sem ferir os ditames concorrenciais.
Ou seja, o conjunto de disciplinas, aborda a atuação da indústria de alimentação animal na divulgação e comercialização de seus produtos, bem como, o relacionamento com os profissionais da respectiva área de atuação. Com foco na competitividade, as diretrizes pautam-se nos princípios da isonomia nas áreas regulatória, técnica, sanitária, tributária, trabalhista, segurança alimentar, representatividade, comércio justo e sustentabilidade.
Você associado, tem a obrigação de manter altos padrões éticos e observar os requisitos legais reguladores e profissionais aplicáveis, primando pela ética nas relações concorrenciais a fim de evitar quaisquer práticas tendentes à constituição de privilégios ou oligo/monopólio, em observância à Lei de Defesa da Concorrência; fornecer informações e instruções precisas sobre seus produtos; oferecer suporte aos profissionais que atuam no respectivo setor produtivo, garantindo a estes, acesso às informações de relevância e em benefício do conhecimento; promover e fomentar entre si a leal concorrência, o respeito ao consumidor e o irrestrito cumprimento das leis, combater a desconformidade técnica e fiscal; incentivar a proteção ambiental e a responsabilidade social; observar estritamente a legislação que regulamenta as relações do gênero, bem como, com outras entidades e associações; mirar na contribuição para o desenvolvimento de toda cadeia produtiva e de consumo; e repudiar categoricamente a prática de ações que afetem a imagem da classe e do setor.
A legislação específica ditada pela Lei 12846/2013, regulamentada pelo Decreto 8420/2015, e também o regulamento de outros países (por exemplo, o FCPA/Foreign Corrupt Practices Act, dos Estados Unidos) expressam claramente a exigência de comprovação da cultura de prevenção nas empresas e organizações públicas das práticas capazes de evitar desvios e irregularidades e o envolvimento de executivos e agentes federais, estaduais e municipais em atos de corrupção.
Expressando-se como legítimo porta-voz de empresas que atuam direta/indiretamente nas diversas cadeias produtivas do agronegócio, o Sindirações posiciona-se publicamente quanto às questões políticas, econômicas, mercadológicas e éticas de interesse do segmento, sempre em sintonia com associados comprometidos em dirigir suas atividades dentro de padrões uniformes e transparentes, e conscientes das suas responsabilidades para com os consumidores e demais profissionais que com eles se relacionam.
Outrossim, a veloz mutação das necessidades dos consumidores domésticos e clientes internacionais, cada vez mais informados e rigorosos, tem rompido com a dinâmica tradicional, ordenado nova ótica no funcionamento da cadeia de suprimentos e, sobretudo, sinalizado ao setor público e privado brasileiro que para satisfazê-los é necessário também garantir a transparência dos processos, através da disciplina na governança e integridade na conduta.
Esse é o novo mundo, onde habita a humanidade cada vez mais dependente das novíssimas tecnologias disruptivas, e que me faz refletir nostalgicamente acerca do conhecimento adquirido nesses quase 40 anos da minha jornada profissional, sendo praticamente ¾ deles dedicados à ciência aplicada aos processos para desenvolvimento de produtos, campanhas de incentivo ao consumo, e combate dos dogmas atribuídos à produção animal.
Ainda na década de 80, recordo dos exageros do merchandising/publicidade em detrimento da capacitação e esclarecimento, e das tantas palestras motivacionais e treinamentos de venda que doutrinavam sobre a (in) questionável vontade do consumidor, qual seja: Regra no. 1: O cliente sempre tem razão; Regra no. 2: Quando o cliente não tiver razão volte para a primeira regra; Regra no. 3: Na dúvida, siga a Regra no. 1.
É evidente que a opinião pública traça as diretrizes da sociedade organizada e, jamais, poderá ser negligenciada, contudo, é imperativo comunicar que o método científico serve para medir quão significativas são as hipóteses e corrigir supostas conclusões dos menos informados ou daqueles ainda apegados ao mantra da extravagância e que teimam desdenhar das ciências naturais.
Por exemplo, em pleno século 21, há consumidores que continuam rejeitando a manteiga e os ovos porque alguns estudos (ultra) passados revelavam que as gorduras saturadas aumentam o colesterol, e em consequência “faziam mal ao coração” (sic).
Obstante, sem desconfiar de qualquer iniciativa conspiratória, poderiam tais estudos ter sido encomendados para revelar de antemão o que se buscava encontrar? Os pesquisadores teriam desconfiado de achados contraditórios à sua crença?
De acordo com George Orwell, “todos somos capazes de acreditar em coisas que sabemos ser inverdades, e então, quando fica provado que estávamos errados, distorcemos os fatos como que para provar que tínhamos razão”.
Continuarei mencionando esse advérbio, o sic, que significa que o texto fora transcrito exatamente como no original, por errado ou mais estranho que possa parecer.
Tenho encontrado interlocutores que concordam comigo acerca do exagero midiático dispensado aos antibióticos usados em animais e na ausência de causalidade (ou mesmo insignificante risco quantitativo determinado estatisticamente), entre o uso dessas soluções tecnológicas na produção pecuária e a geração de resistência bacteriana em humanos, muito embora, mesmo colocando os argumentos científicos na balança, alguns paradoxalmente tem se juntado aos que incentivam a proibição porque, segundo eles: “O CONSUMIDOR NÃO QUER E PONTO FINAL! ” (sic), outra vez.
Enviesados também na fronteira da ficção e reputação dada por escolha de um freguês capaz de acreditar que a ciência e o empirismo são meios de opressão ou fanatismo, enumero, sem aprofundar a discussão outros exemplos, a saber: os grãos geneticamente modificados/GMOs e seus efeitos “deletérios” (sic) no metabolismo do consumidor e no meio ambiente; os hormônios “adicionados” (sic) na alimentação dos animais; os programas de imunização que “provocam autismo” (sic) em crianças vacinadas; dentre outros exemplos.
Lamento pela teimosia, mas continuarei insistindo: “Se a academia não extravasar suas convicções para além da fronteira dos fóruns científicos, o consumidor será cada vez mais refém das utopias alarmistas”.
Por opção (além da obrigação pela formação profissional) me considero solidário ao compromisso que unifica a saúde humana, animal e ambiental. Muito embora, vigente desde o século 19, a indissociável SAÚDE ÚNICA passou apenas mais recentemente a ser amplamente difundida pela Organização Mundial da Saúde/OMS, entidade das Nações Unidas/ONU cuja missão é promover a saúde pública global. O combate à resistência bacteriana e o abastecimento suficiente para garantia da segurança alimentar, por exemplo, são pressupostos necessários ao completo bem-estar físico, mental e social e, hipoteticamente considerados prioritários na pauta de vigilância da OMS.
Recentemente a Organização para Agricultura e Alimentação/FAO alertou que a fome aumentou e afligiu 815 milhões de seres humanos em 2016, enquanto foram 777 milhões em 2015 (State of Food Security and Nutrition /Sofi 2017), marca que compromete o cumprimento da Agenda 2030 da ONU para erradicação da fome e da miséria do planeta, e coloca em risco a garantia de sustentabilidade, inclusão das famílias e a paz social. Outrossim, a OMS projeta que em 2025 cerca de 2,3 bilhões de adultos estarão com sobrepeso e mais de 700 milhões obesos.
Considerando que o conceito de saúde transcende a ausência de doenças e afecções, é razoável esperar das agências das Nações Unidas (FAO e OMS) mais empenho, esforços de mesma magnitude e, no mínimo, investimento dos mesmos recursos (tempo, dinheiro e pessoas) na correção do desequilíbrio da fome/obesidade – à exemplo do investimento nas campanhas de uso racional dos antibióticos?
Levando em conta que as empresas de alimentos, cadeias de restaurante e redes de comida rápida tem exigido carnes sem antibióticos e aditivos; massas, pães, salgadinhos, etc., sem OGMs; e ovos de galinhas criadas livremente – legitimando assim sua preocupação com a saúde dos consumidores -, é flagrante reparar o mesmo interesse na modificação do cardápio por refeições com menos calorias, sal e açúcar e porções menores/mais baratas no varejo? O amplo acesso ao conhecimento oferecido pelas mídias digitais tem sido acompanhado de maior valorização da ciência? Ou, circunstancialmente, as crenças pessoais parecem mais relevantes que os fatos objetivos?
Esse “ADMIRÁVEL MUNDO NOVO”, que presenciamos agora e antecipado em 1931 pelo romancista Aldous Huxley, parece surpreender muito mais àqueles da minha geração.
Acreditem! Essa é a época em que a SELIC igualou-se à TJLP, embora, também seja a época do culto a personalidades e expressões culturais ainda pouco acreditada pelos mais conservadores.
É meus amigos, de acordo com um “verdadeiro” pensador, o francês Paul Valéry: “O PROBLEMA DO NOSSO TEMPO É QUE O FUTURO NÃO É MAIS O QUE COSTUMAVA SER”.
E, já que “o futuro à nós não pertence”, vamos dar uma guinada radical na nossa análise, do “feed forward” enviesemos para o tradicional “feedback”, ou para o legado já impresso por nosso Sindirações:
– Nos últimos dez anos, executamos exclusivamente todas as atividades regulamentadas em Lei e definidas no nosso Estatuto, apesar da estrutura organizacional enxuta (somos apenas quatro colaboradores) e do imposto sindical que era repassado pelos associados, muito embora milhares de outros potenciais contribuintes, classificados na mesma atividade econômica, jamais assim procederam, mas que, no entanto, de maneira oportunista, sempre desfrutaram das nossas ações bem-sucedidas.
– Cumprimos com o pagamento de todas as despesas da rotina administrativa (salários e encargos dos colaboradores, aluguel, impostos e outras taxas, telefone), inclusive avaliado por auditoria externa garantindo assim a idoneidade da entidade perante seus associados, o sistema financeiro e os órgãos públicos. Importante salientar que nesse período sofremos várias ações trabalhistas, contudo, todas as sentenças proferidas pela Justiça Trabalhista absolveram o Sindirações.
– Promovemos estudos de interesse técnico-científico (Nutrição Responsável, por exemplo, em parceria com Embrapa, USP e Universidade de Viçosa), pesquisa mercadológica da alimentação animal e de seus insumos (Painel Estatístico de macro e micro ingredientes com CEPEA/ESALQ USP) e capitaneamos cálculo econométrico para desoneração do PIS/COFINS, conjuntamente com ASBRAM e Consultoria MB Agro.
– Realizamos círculo de conferências (workshops com Embrapa e MAPA/Lanagro, Estudo viabilidade econômica do parque industrial de aditivos com MDIC), seminários científicos (em parceria com o CBNA e ABPA), entre outras atividades pertinentes ao setor e de interesse da indústria e da comercialização dos produtos da alimentação animal (conjuntamente com a ABINPET).
– Elaboramos em conjunto com a IFIF, a AFIA e a FEFAC, a revisão bibliográfica comprovando quão benéficos ao meio ambiente são os aditivos alimentares, cujos resultados foram disponibilizados à toda comunidade acadêmico/científica através da publicação no Journal of Animal Science;
– Fomentamos a implantação e o desenvolvimento da produção através da parceria com Fiesp na planta-piloto na escola Senai de Campinas e do convênio no curso de aperfeiçoamento de mão de obra com Senai no Estado de São Paulo), e apoiamos a elaboração do painel da cadeia produtiva suinícola pelas ABCS e APCS;
– Firmamos parceria com a Agência Brasileira de Promoção de Exportações e Investimento/APEX-Brasil na divulgação externa do setor de alimentação animal brasileiro, além da concessão de condições especiais aos associados Sindirações para investimento em feiras e exposições internacionais;
– Treinamos presencialmente cerca de 3 mil profissionais especializados na ciência da qualidade, exclusivamente voltada à produção de alimentos para animais, e a partir do próximo ano, ampliaremos a abrangência ministrando também os cursos, online à distância;
– Promovemos o aperfeiçoamento técnico dos auditores das agências de certificação, dos fiscais federais agropecuários, dos especialistas das indústrias e dos consultores, em parceria com o FAMI-QS Europeu, no tocante à regulamentação de certificação para ingresso de insumos da alimentação animal e produtos de origem animal naquele continente;
– Conseguimos estender o prazo de permissão de uso dos melhoradores de desempenho zootécnico, convencendo as autoridades regulatórias que a ciência prevalece sobre o famigerado princípio da precaução, reservando assim na última década, tempo suficiente para o desenvolvimento e comprovação de eficácia e segurança das alternativas complementares atualmente disponíveis;
– Publicamos a quinta edição do Compêndio Brasileiro de Alimentação Animal, compilado que revela a disposição voluntária dos membros da Comissão de Métodos Analíticos da entidade;
– Finalmente, diante da avassaladora recessão que abateu sobremaneira nosso setor privado empregador, cumprimos com a determinação dos conselheiros em conceder apenas IPCA no reajuste dos salários firmados através das negociações coletivas travadas com 104 sindicados laborais, ação que permitiu assegurar mais de 100 mil empregos diretos e outros 500 mil indiretos, contribuindo, assim, na renda das famílias depauperadas pela avassaladora recessão.
Essas são apenas algumas das muitas ações bem-sucedidas do Sindirações. Porém, não posso deixar de ressaltar que o novo cenário, caracterizado pela abolição do imposto sindical patronal compulsório, exigirá esforço de cada associado para compensação daquela receita, a fim de garantir a sustentabilidade financeira do Sindirações e a respectiva continuidade no atendimento às tantas demandas da coletividade de associados e parcerias com os demais representantes da cadeia agropecuária, em âmbito nacional e até internacional. Por fim, exorto vocês associados, que transmitam aos seus potenciais sucessores, o legado dessa entidade que somará 65 anos no ano vindouro, a fim de que a percepção deles continue a mesma de vocês. A certeza de um Sindirações representativo, justo, indispensável e insubstituível, cujos meios utilizados para alcance dos objetivos sempre serão considerados uma questão maior diante dos resultados obtidos.
Meu desejo é de que as gerações futuras de colaboradores e associados conduzam o Sindirações guiados por ações e decisões que priorizem a ética, assim como acontece hoje!
Muito obrigado.
Ariovaldo Zani, vice-presidente executivo do Sindirações