Definitivamente a burocracia e o contingenciamento orçamentário vigentes tem desorganizado a gestão dos recursos administrados pelos agentes reguladores e inviabilizado sobremaneira o planejamento estratégico e governança dos diversos órgãos públicos, tais como o IBGE, Secretarias Estaduais de Meio Ambiente, Ministério da Agricultura, ANVISA, dentre outros.
A letargia reflete-se através do embaraço nas inspeções para obtenção do licenciamento de instalação e funcionamento dos empreendimentos, para renovação de certificados para exportação de mercadorias e na verificação de procedimentos para certificação do uso de insumos específicos na produção de alimentos para humanos e animais, etc.
O servidor público, por sua vez, impossibilitado de colocar em prática sua missão funcional na totalidade, busca blindagem através da exigência crescente de dossiês, declarações, assinaturas reconhecidas, licenças com anuência de outros órgãos oficiais, vistos consulares, etc., via uma montanha de papel. Custa entender também porque a informatização de procedimentos e armazenamento digital de documentos, exaustivamente utilizados pela iniciativa privada e reconhecida até pela Receita Federal, ainda encontra tanta resistência em outros órgãos oficiais, mesmo com todo avanço tecnológico e segurança da informação alcançados no Século 21.
Esse mecanismo de transferência da responsabilidade do agente regulador (poder público) para o empreendedor (iniciativa privada) e que acaba por onerar a sociedade, é compreensível porque o servidor pode ser punido administrativamente e acusado por não zelar plenamente pela saúde, segurança e bem estar das pessoas e pela defesa do meio ambiente.
Nos Estados Unidos, por exemplo, o ambiente legal conta com a Determinação Presidencial (Executive Order 12866/1993), um tipo de Portaria, que estabelece a ordem do sistema de regulação, cuja premissa é funcionar para o cidadão americano e não contra ele. De maneira geral, qualquer conjunto de regras deve proteger a saúde, a segurança, o meio ambiente e o bem-estar e melhorar o desempenho da economia daquele país, sem impor custos inaceitáveis ou incoerentes sobre a sociedade.
Desde então, estabeleceu-se que somente fossem promulgadas regulamentações exigidas por lei ou para interpretação da lei, com texto de simples compreensão, a fim de evitar múltiplas interpretações e minimizar os litígios decorrentes da incerteza. As políticas regulatórias americanas reconhecem que o setor privado é o propulsor do crescimento econômico e que este depende de abordagens legais que respeitem o papel da Federação, dos Estados e dos costumes de comunidades tradicionais menos favorecidas.
Os reguladores americanos então são obrigados a avaliar todos os custos e benefícios envolvidos, considerando inclusive a hipótese de não regulamentar, caso a iniciativa traduza ônus adicional à sociedade. Além disso, eles tem de identificar e mensurar o problema a ser resolvido e certificar-se que o regulamento pré-existente é incoerente/incompatível e exige correção, e só então elaborar um novo conjunto de regras mais eficazes. Também é mandatório que exercitem a criatividade e proponham incentivos de ordem econômica para estimular a inovação e a adesão dos empreendedores afetados.
É importante enfatizar que sempre foram priorizados o grau e a natureza dos riscos decorrentes, embora a consistência, previsibilidade, custos da execução e cumprimento, flexibilidade, impactos distributivos e igualdade, também influenciam a decisão deles em regulamentar ou não. Apesar do exagero que parece beirar o ridículo, até o prazer de fumar foi medido e comparado aos gastos com tratamento das doenças decorrentes do vício. Mesmo diante da controversa metodologia aplicada, a Food and Drug Administration/FDA, obrigou que os maços passassem a veicular publicidade alertando sobre os malefícios do cigarro.
É importante salientar, no entanto, que mesmo reconhecendo determinadas variáveis absolutamente difíceis de quantificar, o agente público somente pode propor ou adotar novo regulamento quando fundamentado nos benefícios técnico/científicos que justificam os custos econômico/financeiros resultantes da implementação pretendida.
Nós brasileiros, representantes da iniciativa privada, sociedade e autoridades públicas, precisamos atentar para que exigências desnecessárias, ou então aquelas já eliminadas, não retornem ao portfólio regulatório, simplesmente por causa da visão equivocada e distorcida de alguns burocratas.
Parafraseando Hélio Beltrão: “O brasileiro é simples e confiante. A administração pública é que herdou do passado e entronizou em seus regulamentos a centralização, a desconfiança e a complicação. A presunção da desonestidade, além de absurda e injusta, atrasa e encarece a atividade privada e governamental”.
A dificuldade para correção deste ambiente desestimulador e a arrancada rumo a um macro sistema passível de controle com ênfase na inteligência e eficiência esbarra no ambiente caracterizado pelo antagonismo e tensão pública intra e inter relacional, favorece eventuais conflitos entre entidades e empreendimentos da mesma cadeia produtiva, e adiciona custos que inviabilizam soluções inovadoras e pesam no bolso do consumidor. Será que a regra do custo/benefício emplacaria por aqui?
Por Ariovaldo Zani*
(*) Colaboração: Gabriel Zani, FFLCH/USP.
Quinta-feira, 30 de Outubro de 2014, 08:25:48