Alguns dias atrás a Organização Mundial de Saúde/OMS disponibilizou o relatório da sua Agência Internacional de Pesquisa sobre o Câncer (IARC, sigla em inglês), desencorajando a ingestão abusiva da carne vermelha processada (salsichas, linguiças, presunto, bacon, etc.), considerada fator de risco por aumentar em 18% a possibilidade do desenvolvimento do câncer colo-retal, quando ingerida além da porção de 50g diárias.
O limite estabelecido levou em consideração mais de 800 estudos que correlacionaram uma dúzia de tipos de câncer com o consumo de carne vermelha ou processada em vários países e populações sob diferentes dietas.
A preocupação da OMS acabou por estabelecer um grande paradoxo, principalmente quando considerado o espetacular avanço da longevidade humana apurado nas últimas décadas, capaz de perturbar sobremaneira qualquer formulador de política previdenciária nesse mundo moderno, onde as pessoas parecem viver cada vez mais por conta do progresso na qualidade de vida e da alimentação balanceada, disponível e segura.
Além do mais e à título de comparação, um consumidor na Itália consome em média 25g diariamente, ou seja, metade da dose-limite, conforme informa a Associação Nacional de Carnes e Embutidos daquele país-símbolo da dieta mediterrânea, corroborando a despreocupação da Ministra da Saúde, Beatrice Lorenzin. Até na engessada Alemanha, o ministro da Agricultura, Christian Schmidt, declarou que ninguém deveria temer pelo típico consumo do favorito “bratwurst”, e comparou esses salsichões ao banho de sol, ou seja, enalteceu seus efeitos benéficos quando consumidos com moderação.
Apesar do IARC sustentar a argumentação da reclassificação pela identificação do perigo, mais do que pelo nível do risco apurado, é evidente até para os entusiastas do princípio da precaução, que a ideologia enviesada na comunicação dramática desse alerta, já deve ter confundido muitos consumidores, porque esses embutidos, salgados e defumados derivados de bovinos e suínos, foram incluídos no grupo dos considerados “carcinogênicos para os seres humanos”, dentre eles os temidos amianto e plutônio.
É oportuno e necessário esclarecer que a exposição abusiva ao sol pode predispor ao câncer de pele, o vício pelo tabagismo desencadear o câncer de pulmão, e sem qualquer intenção de banalizar a seriedade do tema em questão, a alimentação desbalanceada e o abuso das calorias pode determinar a obesidade e deflagrar doenças coronarianas, muito embora todo conhecimento científico disponível até o momento não revele com certeza absoluta porque mesmo expostos aos fatores de risco, alguns indivíduos carregam material genético mais suscetível e desenvolvam malignidades e outros não.
Por tudo isso é que se aplica o cálculo estatístico na modulação da probabilidade de determinado risco, que depende incondicionalmente da presença do agente perigoso, do fator causal e do agente acometido. O perigo desencadeia naturalmente a sensação de preocupação, contudo jamais poderá será confundido com o risco, pois é apenas parte deste, que depende de outra variável adicional, a exposição ou dose. Em resumo, a existência e a amplitude do risco são resultados da multiplicação do PERIGO pela EXPOSIÇÃO.
A água, por exemplo, determina certo perigo e sua correlação com a dose determina o risco, ou seja, a ingestão adequada da água potável mantém o equilíbrio metabólico, enquanto a falta dela mata por desidratação, muita água de uma onda gigante pode provocar afogamento de um surfista. De maneira similar, o oxigênio essencial à manutenção da vida, se exposto à alta concentração molar provoca bradicardia, convulsões e até a morte do indivíduo.
A carne vermelha processada, assim como a água e o oxigênio, representa PERIGO potencial e não RISCO. Este, por sua vez, depende da EXPOSIÇÃO ou quantidade, justificando o célebre ditado do médico e alquimista Paracelso: “a dose faz o veneno”!
É evidente que a avaliação do risco é necessária e indispensável para assegurar se determinada causa gera algum risco e como este é modulado pela exposição, e que na ausência de causalidade não há risco, contudo, risco zero não é risco, é certeza. E certeza em ciência não existe. Portanto, não existe risco zero.
Poucos alimentos disponíveis têm sido tão consumidos por civilizações e gerações como a carne vermelha ou processada, constituída de proteína com alto valor biológico e aproveitamento, aminoácidos essenciais e vitaminas do complexo B. A sua disponibilização e perfil nutricional tem contribuído sobremaneira com a segurança alimentar e mitigação da fome e, sobretudo, até superado qualquer risco hipotético, dependendo do status geopolítico e condição socioeconômica do consumidor.
Basta observar atentamente o relatório da FAO, intitulado “Estado da Insegurança Alimentar 2015” revelando que o progresso em direção às metas de segurança alimentar foi prejudicado nos últimos anos por vários desafios econômicos globais, dentre eles as condições climáticas extremas, desastres naturais, instabilidade política e guerra civil, além da população global que aumentou 1,9 bilhão entre 1990 e 2015 e dificultou ainda mais a tarefa de reduzir o número de pessoas que passam fome.
Atualmente a ciência vem sendo bastante desafiada pela ideologia que teima conceituar a carne vermelha ou processada um problema para o consumidor contemporâneo, embora antigamente a nobre proteína ocupasse em unanimidade o status de solução de combate à fome e desnutrição. Velhos tempos em que até se “amarrava cachorro com linguiça”.
Ariovaldo Zani é vice-presidente executivo do Sindirações