Está mais que na hora do Brasil parar de esperar algum “milagre” (deixando para trás seus traços coloniais) e buscar o seu protagonismo, consolidando a sua independência no âmbito internacional
A relação histórica do Brasil com a Europa, em grande parte, é permeada por tensões e conflitos, consequentes ao desequilíbrio relacional entre ambos. Notadamente, ainda no século 21, os estigmas do passado reproduzem os efeitos da colonização tão prejudicial ao desenvolvimento e que posicionaram o Brasil na periferia do comércio internacional.
Desde o período colonial, boa parte das riquezas brasileiras eram levadas para fora e pouco aqui ficava para fomentar o avanço. Flagrantemente, tal cenário parece persistir, já que não se identificam sinais de protagonismo no ambiente global que favoreçam o crescimento doméstico (principalmente, na cadeia industrial) e garantam maior proteção aos recursos necessários à nossa independência econômica.
Esse emaranhado histórico tem embasado o discurso dos críticos contrários ao acordo firmado entre o Mercosul e a União Europeia. O receio e a desconfiança manifestados não só por determinados grupos brasileiros, mas também por alguns dos vizinhos latino-americanos, contrastam com a perspectiva otimista de outros interlocutores, cuja expectativa é de um “marco histórico” para o Brasil, bem como para a América do Sul, em geral.
Retomando ao passado recente, as relações entre Brasil e a Europa começaram nos anos 60, adentrando, anos mais tarde, ao bloco correspondente ao Mercosul, fundado em 1991. De lá pra cá, alguns acordos foram estabelecidos entre ambos, tais como o “Acordo-quadro de cooperação entre a Comunidade Europeia e Brasil” (1992), “Acordo-quadro de cooperação entre a Comunidade Europeia e o Mercosul” (1995) e o “Acordo de cooperação científica e tecnológica” (2004), tendo como principais temas as mudanças climáticas, a sustentabilidade, a luta contra a miséria e a fome, a estabilidade, e o desenvolvimento da América Latina.
As autoridades do Executivo nacional afirmaram que nosso país será beneficiado, tendo em vista a soberania brasileira e a proteção dos seus recursos, especialmente, do setor primário. Contudo, só o tempo permitirá determinar quem está certo nas previsões, os críticos que descontentes ou aqueles que celebraram o feito.
Diante dessa nova conjuntura, importante é que o marco considerado “histórico” não se transfigure em mais um “milagre” para o Brasil, conforme traçado precisamente por Sérgio Buarque de Holanda em suas obras. Partindo da fase colonial e concluindo a trajetória no período republicano, o autor percebe que sucessivos “milagres” salvaram a nossa economia, ao longo do tempo. O “milagre” do pau-brasil, do açúcar, do ouro, do café, do algodão, da borracha, entre outros produtos que assumiram o protagonismo em seus respectivos contextos históricos, sustentando e equilibrando a infraestrutura brasileira.
Ora, por que Sérgio Buarque de Holanda utilizou o termo “milagre” para caracterizar a história da economia brasileira?
Observando o percurso histórico brasileiro, percebemos que na etapa final das exportações de cada produto, instalava-se uma profunda queda na venda e no consumo, inaugurando uma angustiante espera por um novo e requisitado artigo exportável. Em outras palavras, a expectativa por mais um novo “milagre”, materializado em nova mercadoria, que atraísse os olhos europeus e voltasse a aquecer os negócios.
De “milagre” em “milagre”, a economia brasileira foi sendo assim conduzida, consolidando a histórica dependência em relação ao mercado externo, durante cinco séculos de nossa história.
O desafio que se propõe, a partir da assinatura do acordo entre o Mercosul e a União Europeia, é romper com a “trajetória dos milagres e da dependência”.
Está mais que na hora do Brasil parar de esperar algum “milagre” (deixando para trás seus traços coloniais) e buscar o seu protagonismo, consolidando a sua independência no âmbito internacional, e aproveitar as oportunidades disponíveis com o novo acordo, as quais – se forem exploradas de maneira efetiva e inteligente – criarão as condições positivas ao seu desenvolvimento.
Por Ariovaldo Zani, médico veterinário, professor MBA/PECEGE/ESALQ/USP – e Gabriel Zani, historiador.