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“As little as possible, as much as necessary!” | Antibióticos na Produção Animal – por Ariovaldo Zani (Parte 2)

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Como havia antecipado, ainda no mês passado, o extenso conteúdo do artigo me motivou dividi-lo ao meio. Segue então a segunda parte da minha participação na mesa redonda global que avaliou a hipotética “alternativa ao uso de antibióticos na produção animal”, cujo objetivo era conhecer o ponto de vista de um grupo de interlocutores escolhido pela agência de notícias europeia Feedinfo News Service.

Relembrando, o grupo foi composto por Peter Borriello (CEO, Veterinary Medicine Directorate, United Kingdon), representando a União Europeia, Cyril Gay (National Program Leader for Animal Health and Safety, USDA/ARS) representando a América do Norte, Delia Grace (Program Leader Food Safety and Zoonoses), International Livestock Research Institute, Kenya) representando o continente Africano, Kyung-Woo Lee (Assistant Professor, Department of Animal Science and Technology KonKuk University, South Korea) que representou o continente Asiático, e eu mesmo que representei a América do Sul.

parte1A banca examinadora continuou então a sabatina e lembrou da veiculação de mensagens sensacionalistas e prejudiciais, com ênfase em títulos polêmicos, tais como “comer frango pode matá-lo e tornar seu organismo resistente aos antibióticos”, têm estampado os jornais de grande circulação, aqui e acolá. Essa apologia parece contraproducente, frente os esforços globais na redução da ocorrência da resistência antibiótica em seres humanos, e revela a pouca confiança dos consumidores nas cadeias de produção animal, agravada pela falta de comunicação entre esse setor e os especialistas em saúde pública, incluída a mídia. Perguntaram então que tipo de diálogo pode ser estabelecido entre a indústria e o consumidor?

Respondi que “as interfaces da cadeia produtiva tem alertado a sociedade consumidora (cidadãos, mídia, autoridades, comunidade médica, etc.) de que o risco é a probabilidade de ocorrência de um evento e não sua ausência, incluindo as particularidades de ordem econômica e social de cada país/região estudada. Além disso, a comunidade veterinária tem a obrigação de esclarecer que os antibióticos não podem ser banidos da produção, porque, assim como indicados pelos médicos para os pacientes humanos afetados por infecções em geral, são também necessários na pecuária, por conta do risco de determinada afecção a cometer todo um rebanho e causar prejuízos econômicos de grande monta, comprometer a segurança alimentar, além da ação mitigadora do sofrimento dos seus pacientes, no caso, os animais. No Brasil, temos nos aproximado dos médicos e explicado como são calculados os resíduos do antimicrobiano utilizado, a quantidade dos resíduos ingeridos diariamente e durante toda a vida, e as razões desses resíduos não produzirem efeitos indesejáveis nos consumidores humanos. Enfatizamos que esses limites máximos são, no mínimo, centenas de vezes menores que a concentração mínima necessária para produzir efeitos tóxicos na mais sensível espécie de laboratório testada, dentre três escolhidas.”

Em seguida, registraram que o presidente da OIE dissera recentemente que ainda é possível melhorar as condições de controle do uso dos antibióticos na produção animal, outrossim, a responsabilidade do médico veterinário é condição indispensável. Perguntaram se eu concordava com a afirmação do Dr. Vallat e então respondi: “Totalmente de acordo. Diplomado médico veterinário há décadas, me considero um verdadeiro guardião da saúde pública, com responsabilidade compartilhada na segurança e monitoramento de toda a cadeia de suprimento, além de parte integrante do time que visa assegurar o bem-estar ea saúde dos animais e dos consumidores humanos. A comunidade veterinária já faz parte do movimento intitulado “One Health Initiative”, que inclui, também médicos, dentistas, enfermeiros e outros profissionais da saúde, além de disciplinas inter-relacionadas com o meio ambiente e mais de 790 cientistas reconhecidos que também endossam essa iniciativa.”

Logo em seguida, questionaram como as práticas para uso racional dos antimicrobianos podem ser incluídas na grade curricular inicial das carreiras médicas, veterinária e humana e então formulei a seguinte resposta: “A preocupação da comunidade consumidora contemporânea tem priorizado o abastecimento e a segurança dos alimentos. A mudança no comportamento humano e o foco na ecologia, as alterações do clima e das práticas agrícolas, o aumento da quantidade e diversidade de alimentos comercializados em todos os lugares e a busca pela proteção à saúde, estabelecem um novo paradigma para o aprendizado dos veterinários e também dos médicos. O aluno ainda em formação deve ser submetido às aulas específicas que enfatizam a importância da manutenção da eficácia do antimicrobiano e a redução da probabilidade de esses atuarem como agentes de seleção para bactérias patogénicas de interesse veterinário e humano. É relevante também estudar alternativas viáveis para mitigação do uso de antimicrobianos na produção animal (monitoramento da saúde dos animais através de medidas preventivas, tais como vacinação, biossegurança, higiene e controle do fluxo de animais, e foco no melhoramento genético, nutricional e ambiental) e comparação das vantagens e desvantagens do antimicrobiano, antes mesmo de escolher o agente a ser utilizado, e apenas quando os benefícios revelam-se claros e mensuráveis, de acordo com os protocolos para a utilização racional, assim como a mistura deles somente quando da certeza dos efeitos da associação.”

Os organizadores então afirmaram que enquanto muitos produtores estão atentos aos eventuais perigos consequentes ao uso indiscriminado dos antibióticos, alguns lançam mão deles não apenas terapeuticamente, mas preventivamente contra as doenças, inclusive para compensação à falta dos cuidados na sanidade e manejo dos animais. Perguntaram: Quais medidas seriam necessárias para modificar essa percepção? A produção livre de antibióticos ainda pode ser rentável aos produtores? Respondi: “O agente melhorador de desempenho zootécnico constitui ferramenta adequada (tecnológica e economicamente viável frente às demais alternativas) à produção sustentável, já que contribui para preservação ambiental através da mobilização de menos insumos. Ou seja, permite produzir mais (benefício econômico) ao menor preço possível (benefício social) com menos recursos (benefício ambiental), e acaba por incluir cada vez mais pessoas à linha de consumo e aliviar a preocupação da FAO/ONU de suprir quase o dobro da demanda global de alimentos dos mais de nove bilhões de habitantes em 2050. Importante salientar, inclusive, que um estudo recente realizado por renomados pesquisadores da Universidade Federal do Rio Grande do Sul demonstrou que a hipotética proibição do uso dos melhoradores de desempenho imporia à cadeia de produção de aves e suínos no Brasil, uma queda estimada de quase 4% na conversão alimentar de frangos de corte e um aumento acima de 3% sobre o respectivo custo de produção. No caso de leitões e suínos em crescimento, a queda no ganho de peso seria de 17% e 7%, respectivamente, um incremento da ordem de 9,2% no custo de produção. Essa sobrecarga adicional custaria mais de  1 bilhão de Reais e seria acompanhada da explosão da incidência de doenças infecciosas, do aumento da utilização de antibióticos utilizados no combate dessas enfermidades e contaminação dos produtos derivados desses animais por bactérias resistentes ou não, da redução no número de lotes alojados a cada ano, pela menor utilização das instalações de reprodução, falta de uniformidade dos lotes, aumento do custo do abate, diminuição da absorção de nutrientes, aumento da carga de resíduos e na incidência de doenças entéricas consequentes à maior quantidade de antibióticos utilizada.”

Prosseguiram e questionaram como poderia ser melhor organizada a cooperação internacional com objetivo de minimizar a resistência antimicrobiana e de fomentar as pesquisas voltadas ao estudo das alternativas aos antibióticos? Eu formulei a resposta assim: “A referida cooperação internacional já está em curso, graças à iniciativa conduzida conjuntamente pela OMS, OIE e FAO e batizada de “One World, One Health”, que trabalha, em nível global, coletando informações relacionadas às doenças animais, imprimindo mais eficiência às políticas de saúde pública que envolvemos médicos e os veterinários, e estabelecendo requisitos para detecção precoce de surtos de doenças, de maneira à minimizar a resistência antimicrobiana e os investimentos necessários à investigação das alternativas.”

Perguntaram quanto esforço deveria ser dedicado na comunicação dos efeitos deletérios provocados pelo uso indiscriminado dos antimicrobianos? Eu respondi: “A contravenção deveria ser penalizada de acordo com as regras definidas pelas autoridades locais competentes e, quando aplicável (no caso do o comércio internacional), comunicadas através dos sistemas de alerta voltados à alimentação animal e humana, já sujeitos à censura da Organização Mundial do Comércio.”

A sessão já adentrava a fase final e a banca examinadora perguntou quais opções (não antibióticas) eu considerava adaptadas à modulação da microbiota. Registraram inclusive algumas respostas formuladas por outros estudiosos durante o simpósio internacional “Alternativas aos Antibióticos: Desafios e Soluções da Produção Animal”, realizado em 2012. Complementaram se eu considerava que aquelas respostas ainda poderiam ser aplicadas em 2014 e quais alternativas foram desenvolvidas, desde então? Eu respondi: “Assumindo que a própria microbiota intestinal deprime o crescimento, a propriedade antibiótica embasa a melhoria do desempenho. Portanto, qualquer alternativa “não-antibiótica” deve reunir todas as condições para melhoria da eficiência e aumento da absorção de nutrientes, através da prevenção e controle de infecções subclínicas endêmicas, redução do custo metabólico com o sistema imunológico e mitigação do uso da microbiota por nutrientes e metabólitos que deprimem o crescimento.”

Em seguida perguntaram qual o nível atual de compreensão do modo de ação dos imunomoduladores, probióticos, fito nutrientes, etc., e se eu considerava as alternativas disponíveis prontas para substituição dos melhoradores de desempenho tradicionais. Eu respondi: “Os extratos de plantas e óleos essenciais, ácidos orgânicos, enzimas exógenas, minerais (zinco e cobre), nucleotídeos, prebióticos, probióticos e simbióticos, além dos beta-glucanos, revelaram-se alternativas potenciais aos antibióticos convencionais, embora ainda prevaleçam alguns resultados questionáveis ​​ou inconsistentes, sobretudo no tocante à viabilidade econômica.”

Anunciaram então o final da sabatina perguntando se as ferramentas alternativas poderão impactar a saúde humana e animal, à exemplo dos antibióticos tradicionais. Eu respondi: “Por enquanto, entendo que não, apesar da tese do tipo não-antibiótica me agradar. Meu desejo é que diante dessa ou daquela alternativa, a produtividade animal seja preservada e evite a necessidade de maior expansão das áreas para uso agropecuário para produção suficiente que responderá à demanda da crescente população global por proteína animal e vegetal.”

Ressalto que a Holanda vai assumir a Presidência da União Europeia em janeiro de 2016 e decerto que a resistência antimicrobiana será uma das suas principais prioridades. Digo isso porque parece que já em fevereiro será realizada mais uma conferência “One Health”, fórum onde ministros da saúde e agricultura estarão reunidos com objetivo de estreitar o compromisso político referente a esse importante e polêmico tema. Para o bem da humanidade, faço votos que a ciência prevaleça.

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