O invejável conjunto de atributos da agropecuária brasileira – super safras, ganhos de produtividade, superávit comercial, carteira de clientes internacionais, etc. – há tempo vem intrigando e incomodando os negociadores comerciais e produtores americanos.
Fato é que desde o segundo trimestre do ano passado eles podem comparar as potencialidades, oportunidades, fraquezas e ameaças relacionadas às duas super potências agroindustriais, através do estudo intitulado “Competitive Factors in Brazil Affecting U.S. and Brazilian Agricultural Sales in Selected Third Country Markets”, elaborado pelo U.S. International Trade Comission.
Coincidência ou não, as autoridades americanas literalmente botaram a mão na massa e passaram a negociar o Transpacific Partnership/TPP com Austrália, Nova Zelândia, Cingapura, Malásia, Vietnã, Chile, Peru e Brunei, além do México e Canadá e talvez Japão e Coréia do Sul.
Mais preocupante, contudo, é o histórico acordo comercial com a União Europeia anunciado recentemente, o TTIP/Transatlantic Trade and Investment Partnerhip, uma espécie de “Trade OTAN”, que vai multiplicar as transações entre ambos. A manobra deixará de fora das principais cadeias produtivas globais a África, a Ásia Central, o Oriente Médio, parte da América Latina e os BRICS e obviamente enxugará as oportunidades para o Brasil e seus produtos agropecuários, uma vez que mais do que supressão de tarifas, especula-se que esse tratado vai regular barreiras não tarifárias e alterar a dinâmica das negociações via Organização Mundial do Comércio.
Os Americanos e os Europeus poderão equalizar padrões de fabricação, segurança e qualidade, além de exigências sanitárias, bem estar e meio ambiente que outros demorarão a cumprir e integrar suas cadeias produtivas.
A crise global de 2008 estabeleceu o marco de um novo arranjo econômico global e serviu para confirmar que “o Rei está nu”.
O pífio investimento brasileiro em infraestrutura logística (armazenamento das safras, modais de transporte, geração e distribuição de energia, etc.) desafia continuamente a vigorosa agropecuária brasileira. Hoje em dia, o custo e nível de diferenciação do produto embarcado, e a confiança percebida pelo comprador internacional são os pressupostos que passaram a modular a competitividade.
Nossa fragilidade é desnudada porque a política comercial do Governo Brasileiro não é clara, continua a confundir os clientes internacionais e as negociações continuam emperradas já que os hipotéticos parceiros relutam conceder maior acesso às exportações agropecuárias, enquanto nossas autoridades não aceitam ampliar a entrada de produtos industrializados.
Dados da Organização Mundial do Comércio demonstram que atualmente o Brasil estabeleceu acordos de livre comércio com Israel, Palestina e Egito e a Argentina conta com apenas um, enquanto os Estados Unidos tem quatorze, a União Europeia trinta e dois, a China quinze, o Chile mantém vinte e um, o México treze, Peru doze e Colômbia onze outros.
O MERCOSUL, cujo objetivo original era integrar a região e facilitar a inserção do Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai na economia global, sempre exagerou no preconceito ideológico e travou toda ambição da diplomacia econômica. Depois que fracassou a Rodada Doha, o bloco sul-americano ainda acredita poder estabelecer acordo de livre comércio com a União Europeia (aquela mesma que anunciou o super acordo com os Estados Unidos).
Fato é que os poucos acordos comerciais preferenciais com países sul africanos, etc., resumem a tarifa preferencial à poucos produtos. Além disso, a quase ausência dos itens agropecuários nas cestas negociadas e o baixo potencial de compra dos consumidores nesses mercados, tem frustrado as pretensões dos produtores brasileiros.
Vez ou outra, o governo brasileiro esboça um viés mais liberal, no entanto, a manutenção da tarifa externa comum no âmbito do MERCOSUL não autoriza assinatura de acordos bilaterais com países não membros e somente o Conselho desse “Mercado Comum” tem o poder de negociar em nome do bloco.
Há tempo as exportações agropecuárias brasileiras alcançam inúmeros destinos (dentre eles, Japão, Venezuela, Irã, Arábia Saudita, Egito, etc.) e a União Europeia ainda se constitui a maior importadora desses gêneros. No período de 2006 a 2011 representava 29% do total, apesar da sua participação vir diminuindo desde 2007.
No mesmo período a China (18%), os Estados Unidos (6%) e a Rússia (5%) aparecem como importantes consumidores da agroindústria nacional, com destaque para os chineses, cuja participação quase dobrou, enquanto a dos Estados Unidos manteve-se entre 5 e 8%.
Ao contrário, as exportações agropecuárias brasileiras para a Argentina, Paraguai e Uruguai, membros do MERCOSUL, representaram menos de 2% do total em 2011, praticamente em pé de igualdade com as exportações para os Emirados Árabes Unidos ou Coréia do Sul.
De 2006 a 2011, o superávit comercial brasileiro com produtos agropecuários quase dobrou, em 2012 chegou a U$ 80 bilhões e boa parte deste crescimento se deu entre 2007 e 2008 e entre 2010 e 2011, principalmente por conta da valorização global das commodities.
O Brasil continuou somando invejáveis superávits comerciais com seus produtos agropecuários, com desempenho maior até do que os Estados Unidos, embora essa diferença tenha diminuído porque o saldo americano cresceu mais rapidamente, ano a ano.
Em 2012, os embarques da nossa agropecuária somaram mais de U$ 95 bilhões e provavelmente representaram algo em torno de 3% do PIB, enquanto que nos Estados Unidos, comparativamente, as exportações dessa categoria não devem ter alcançado 1%.
É flagrante testemunhar a importância dos produtos agropecuários, pois significam parcela considerável e crescente da pauta exportadora brasileira, passando de 27% em 2006 para 40% em 2012. Ainda em 2011, a receita das exportações brasileiras de produtos agropecuários já ranqueava a terceira posição global (9% de todo o movimento), atrás apenas da União Europeia e dos Estados Unidos. O reconhecido fôlego do nosso setor agropecuário destoa do resultado geral do país, já que o desempenho exportador total brasileiro alcança apenas a 16a. posição mundial.
A agropecuária nacional tem contribuído sobremaneira no crescimento da economia e geração de empregos e continua capaz de disponibilizar proteína de origem animal (carnes, ovos, leite) e gêneros hortifrutigranjeiros com qualidade similar ou superior e com mesmo preço e até mais baratos do que aqueles encontrados nas gôndolas americanas e europeias.
Nossas autoridades negociadoras e alguns empreendedores industriais precisam repensar conceitos e, quem sabe, abandonar o mito que só proteção gera crescimento, que a agricultura é ofensiva e que acordos com países desenvolvidos geram dependência.
Ariovaldo Zani é vice-presidente Executivo do Sindirações
Sexta-feira, 22 de Fevereiro de 2013