“Fez sentido a revisão para baixo no consumo”, declarou Ariovaldo Zani, à Reuters, concordando que, antes de serem revisados, os dados indicavam uma demanda local superestimada.
SÃO PAULO (Reuters) – A revisão para baixo de dados envolvendo milhões de toneladas de consumo de milho no Brasil, realizada pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab) na véspera, foi uma medida acertada, avaliou nesta quinta-feira o CEO do Sindirações, que representa o setor que mais consome o cereal no país.
A mudança impactou números de estoques finais dos últimos anos e nesta safra 2022/23, dando uma folga maior de suprimentos para a indústria local e exportadores.
“Fez sentido a revisão para baixo no consumo”, declarou Ariovaldo Zani, à Reuters, concordando que, antes de serem revisados, os dados indicavam uma demanda local superestimada.
Em relatório divulgado na quarta-feira, a Conab elevou a projeção de exportações de milho da safra 2022/23 e do ciclo anterior em volumes somados de 5,5 milhões de toneladas e reduziu a expectativa de safra do cereal deste ano em aproximadamente 1,3 milhão de toneladas na comparação mensal. Mas, mesmo assim, a previsão de estoque final desta temporada ainda cresceu em cerca de 700 mil toneladas no comparativo com o levantamento de janeiro. Isso graças a um maior estoque inicial e também a uma revisão no consumo.
Dados de consumo e estoques de safras de passadas, desde a temporada de 2016/17, também foram alterados. O estoque final em 2019/20, por exemplo, teve uma revisão de para cima de quase 5 milhões de toneladas, após a Conab reavaliar para baixo o consumo, citando números de produção de carne menores.
O Brasil, embora venha aparecendo como grande exportador de milho nos últimos anos – com o Departamento de Agricultura dos EUA (USDA) agora estimando que o país vai superar os norte-americanos em 2022/23 na liderança das exportações globais do cereal –, consome a maior parte do que produz. Da safra total de 123,7 milhões de toneladas, a demanda brasileira é estimada em 79,4 milhões de toneladas, ficando a exportação com 47 milhões de toneladas.
Segundo o executivo do Sindirações, que reúne as indústrias produtoras de rações para aves, suínos e bovinos, entre outras criações, a revisão nos números pode ainda ajudar a afastar especulações recorrentes que aparecem alguns anos no mercado de que “vai faltar milho”.
“Nos últimos cinco a dez anos, nunca faltou milho”, afirmou ele, lembrando que por várias safras havia especulação de que faltaria, o que geralmente impacta em custos para produtores de ração e indústrias de carnes, uma vez que os preços da commodity sobem.
“Colocaram o preço lá em cima baseado em teoria de que faltaria, mas não faltou em nenhum desses anos, então outra vez é mais um fato: o consumo não era tudo aquilo…”
O milho, principal ingrediente da ração, tem uma demanda da indústria de 50 milhões a 55 milhões de toneladas ao ano, seguido pelo de etanol, com pouco mais de 10 milhões de toneladas, disse Zani. Há ainda o consumo humano, perdas registradas na cadeia, além do uso do grão como semente.
Zani disse não ver preocupação diante dos números revisados de demanda pelo produto do Brasil, mas chamou a atenção para as compras da China, que desde o final do ano passado passou a importar o milho brasileiro.
“Se o Brasil passar a exportar de 55 a 60 milhões de toneladas de milho, aí vai faltar.”
EXPLICAÇÃO
O superintendente de Inteligência e Gestão da Oferta da Conab, Allan Silveira, explicou que as principais mudanças no consumo de milho vieram da menor demanda apurada dos segmentos de avicultura a suinocultura, que são os principais consumidores.
“Não se justificava um consumo tão alto como estava vendo, por sua vez, isso alterou as demais variáveis do quadro (de oferta e demanda)”, disse Silveira ao apresentar os números na véspera.
Ele explicou que a Conab calculou, com base na pesquisa de abates de animais do IBGE, qual seria o consumo efetivo de milho. “E com isso fizemos as mudanças. Houve também ajuste na produção para alimentação humana…”
O diretor da consultoria Pátria AgroNegócios, Matheus Pereira, chamou a atenção para a revisão dos números, em publicação em rede social. Ele questionou se indicações de “esgotamento” de milho brasileiro de 2022 para 2023 trariam “reações nas altas de preços do cereal”, e se a mudança teria o objetivo de amenizar preocupações com o abastecimento, em momento que a China se volta ao mercado brasileiro.
O mercado de milho teve poucas alterações na véspera, com os preços ficando praticamente estáveis, segundo indicador Cepea/Esalq.
Mas esta não é a primeira vez que a Conab realiza grandes mudanças em seu quadro de oferta e demanda. A estatal revisou em 2020 dados da safra de soja, elevando em mais de 14 milhões de toneladas a oferta da oleaginosa em um período de vários anos que foi revisado.
A empresa declarou anteriormente que estava em processo de refinamento de seus números, que poderia até mesmo mudar dados do quadro do café, além do milho, como acabou acontecendo.
Fonte: ISTOÉ – Online – Por Roberto Samora